Contribuições da PJMP para a formação de lideranças comunitárias

CONTRIBUIÇÕES DA PASTORAL DA JUVENTUDE DO MEIO POPULAR PARA A FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS [1]

Antônia Eritânia de Sousa Castro [2]

Amélia Soares André [3]

RESUMO

A dimensão religiosa sempre esteve presente no trabalho de educação popular, embora nem sempre se tenha reconhecido o valor dessa dimensão na formação da identidade do jovem. A combinação entre ideologia política e religiosa sempre se mostrou como um desafio para as organizações pensadas para o trabalho com a juventude. Este artigo aborda a questão da educação popular com foco na participação e formação da consciência crítica tendo como objeto a Pastoral da Juventude do Meio Popular, movimento social fundado no seio da Igreja Católica. Para sua realização foram aplicados questionários a 11 jovens que militaram na PJMP e 04 líderes comunitários com atuação em outras pastorais e associações comunitárias da Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio, Diocese de Sobral.  A pesquisa, realizada de agosto à novembro do ano 2010, faz uma abordagem qualitativa dos discursos coletados, e permite a compreensão de como o processo de formação pessoal refletiu na formação de lideranças comunitárias, firmando-se assim como modelo eficiente de educação popular. O trabalho apresenta conceitos de participação e conscientização elaborados pelos próprios sujeitos com base nas suas vivências pessoais. Esses conceitos aqui revelados estão amparados pelas obras de BARREIRO (1980), FREIRE e BETTO (2007), GOHN (2001) e SOUSA (1994), entre outros. Os resultados obtidos revelam como diferencial a consciência de classe social e categoria, discutidas e vivenciadas nos grupos de base do movimento, e a dinâmica interna de formação dos jovens que contempla as dimensões afetiva, social, espiritual, política e técnica. Não se trata porém, de uma obra que encerra em si todos os aspectos passíveis de estudo dentro do movimento social em foco; ao contrário, revela a necessidade de que mais pesquisas busquem elucidar os outros aspectos não explorados neste ensaio e validar aqueles aqui discutidos.

 

Palavras-chave: Educação. Participação. Conscientização. Meio Popular.

 

1. INTRODUÇÃO

            Falar de juventude representa um tema sempre atual. Muitos são os autores que se debruçam sobre esse assunto. Os jovens sempre despertaram na sociedade de uma forma geral a necessidade de compreensão das suas manifestações culturais, linguagens e formas de organização.

            A definição do que vem a ser juventude foi uma questão exaustivamente discutida e até hoje podemos afirmar que ainda não está concluída. Porém, depois de muitas discussões, existe um consenso de que a juventude é uma construção social.

            Dentro dessa perspectiva é importante considerar que essa construção tem origem na forma como a sociedade vê o jovem. Assim são muitos os fatores que se conjugam para formar o conceito de juventude: estereótipos, momentos históricos, múltiplas referências, além de diferentes e diversificadas situações de classe, gênero, etnia, grupo etc.

            Um grande avanço dentro dessas discussões foi perceber que tais fatores determinam a forma de organização da juventude, que por sua vez influencia um modelo de educação popular, veiculando diferentes formas de participação e atendendo a diferentes anseios de cada grupo.

            Mudanças significativas vêm ocorrendo nas abordagens das organizações juvenis e elas têm ganhado cada vez mais espaço no meio acadêmico, sendo colocado como foco do conhecimento científico. Isso é apontado como estratégia para que se possa apostar em sociedades mais justas, uma vez que proporciona uma melhor compreensão das culturas jovens e reduz substancialmente os preconceitos em torno dessas manifestações. Isso vai proporcionando gradativamente o bem estar social e a participação, por meio de maior equidade e igualdade de oportunidades.

            Cientes de tudo já descrito pretendemos nesse trabalho focar a Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP) na perspectiva do entendimento das contribuições que esta organização vem oferecendo para a formação de lideranças comunitárias. Nele, procuramos conceituar alguns elementos presentes na dinâmica desse movimento social, partindo dos discursos de pessoas que vivenciaram as ações dos grupos de base em diferentes momentos e territórios.

            Partimos da análise das narrativas pessoais para abordar na pesquisa os princípios e valores que fundamentam as ações da Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP), desde a percepção da relação entre conscientização e participação até a definição do perfil da liderança formada em seu interior.

            A questão principal da pesquisa é perceber como este movimento social contribuiu para a organização dos jovens em espaços populares e desassistidos pelas políticas públicas, onde a inclusão social e a igualdade de direitos tornaram-se verdadeiros desafios.

            Para realizar essa pesquisa foi utilizada uma amostra de um território pré estabelecido. Para iniciá-la recorremos à revisão de autores anteriormente selecionados e que abordam questões pertinentes a esta. Posteriormente deu-se o trabalho de campo com a aplicação de questionários com questões subjetivas, elaboradas com o objetivo de conhecer a opinião dos pesquisados acerca dos elementos investigados.

            Severino (2007) afirma que a pesquisa ocorre de maneira cotidiana por meio de questionamento sistemático, crítico, com intervenção competente com a realidade. Com base nisso, entendemos que a pesquisa descritiva com abordagem qualitativa foi a mais adequada para que se alcançassem os objetivos traçados.

            A pesquisa propôs-se a um estudo de natureza qualitativa acerca de um grupo de pessoas que vivenciaram diversas experiências dentro desse movimento social. Como sugere Minayo (1994) a investigação de histórias sociais sob a ótica dos atores é a que melhor se adéqua a este tipo de abordagem para que seja possível estudar as interpretações que as pessoas fazem da forma como vivem e daquilo que sentem e pensam sobre si mesmas. Considerando que as pessoas atribuem diferentes valores as experiências vivenciadas em grupo, nos propomos a investigar os aspectos qualitativos desse processo de educação popular, externados através dos depoimentos dos sujeitos da pesquisa, na revelação das suas memórias pessoais.

            O estudo apresenta concepções individuais de líderes comunitários jovens com atuação nos grupos de base da PJMP, líderes que acompanharam a trajetória do movimento e líderes formados dentro de outras organizações sociais em comunidades da Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio, Diocese de Sobral.

            Na área da Educação este trabalho contribuirá para a reflexão sobre os diferentes tipos de educação que se fazem dentro dos movimentos sociais e sobre a estreita relação entre esse tipo de educação e a construção da sociedade justa e igualitária - com cidadãos conscientes e participativos - que almejamos.

            Para a Pastoral de Juventude do Meio Popular servirá como um registro das percepções acerca do modelo de educação a qual se propõe esse movimento.

            A pesquisa foi realizada com 11 sujeitos: 07 deles com formação nos grupos de base da PJMP (04 na zona urbana e 03 na zona rural), 02 líderes comunitários com atuação em associações de moradores e conselhos pastorais e 02 gestores de pastorais sociais que apoiaram e acompanharam a atuação da PJMP nos domínios da Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio, onde a pesquisa foi realizada. O número em 7 para os militantes foi definido mediante a necessidade de ouvir mais de uma pessoa em cada área (rural e urbana) e, posteriormente, também contemplar os gêneros: aqui estão registrados depoimentos de homens e mulheres. Os demais contemplaram a intenção de perceber e confrontar opiniões de pessoas com atuação externa ao movimento estudado.

            Como critério para a escolha dessa amostra foi considerado o envolvimento dessas pessoas nas ações conjuntas dos setores sociais dentro das comunidades da referida paróquia.

            Na redação deste trabalho os nomes dos sujeitos foram ocultados em cumprimento ao acordo estabelecido entre as partes para que os mesmos não fossem mencionados. Assim, ao registrarmos suas falas utilizaremos somente suas iniciais seguidas de suas funções/cargos.

            Como sugerem Lüdke e André (1986) é importante garantir a liberdade do percurso da pesquisa e para isso as perguntas subjetivas permitiram a cada entrevistado discorrer sobre o seu pensamento formulado a partir das próprias vivências.

            A pesquisa foi realizada no período de agosto à novembro de 2010. Inicialmente (agosto e setembro) fizemos uma revisão bibliográfica e depois (em outubro) foram feitas as entrevistas para posterior análise dos dados coletados.

            O artigo aqui apresentado está estruturado em 4 partes. Na primeira, discorremos sobre a fundação da Pastoral da Juventude do Meio Popular, com foco no contexto sociopolítico em que isso se deu, amparados na leitura dos autores selecionados.

            Na segunda parte buscamos, com base nos depoimentos coletados, conceituar os elementos concebidos como diferenciais na prática do movimento.

            A definição do que a PJMP representou na formação de lideranças comunitárias aparece na terceira parte do artigo.

            Por fim, apresentamos as impressões e perspectivas que a realização deste trabalho nos deixa.

2. PASTORAL DA JUVENTUDE DO MEIO POPULAR: IDEOLOGIA POLÍTICA E RELIGIOSA

            A Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) tem seu marco inicial em 09 de julho de 1978, em Recife, quando um grupo de remanescentes da Juventude Operária Católica (JOC) decidiram, num encontro de animadores de grupos juvenis, criar um movimento de jovens do meio popular.

            O Brasil vivenciava o momento de ressurgimento das camadas populares no cenário político nacional e de forte atuação dos grupos de massa, depois de “padecer” a ditadura e o golpe militar de 1964.

            A Juventude Operária Católica havia praticamente sido destruída e a criação da PJMP inspirou-se na realidade concreta da juventude e no ressurgimento das lutas sociais e políticas que aconteciam no país.

            Sobre este momento histórico Gohn (2001, p. 54) nos fala que “os anos 80 foram de [...] construção de estratégias num longo processo de transição, que esperávamos que fossem na direção dos anos 60, sufocados e arduamente defendidos nos anos 70”.

            Em nível eclesial este foi também o momento em que a Igreja Católica assumiu a defesa dos direitos humanos e começou a posicionar-se contra o sistema capitalista. Em janeiro de 1979 foi realizada a Conferência do Episcopado Latino Americano em Puebla, onde foi proposta por Dom Hélder Câmara e aprovada pela conferência, a criação de uma pastoral de juventude por meio social.

            Aos jovens, o documento produzido em Puebla (1979, p. 68) diz: “Tendes uma capacidade imensa. Chegou o momento da reflexão e da aceitação plena do desafio de viver, em plenitude, os valores essenciais do autêntico humanismo integral.”

Não nos é permitido porém, ignorar algumas adversidades nos discursos sobre o momento histórico do surgimento da PJMP. A respeito da posição da Igreja Católica Dick (2007) afirma que

 

em termos de evangelização da juventude, a resposta que a igreja foi encontrando e dando foi a resposta dos encontros emocionais, de variados nomes mais preocupados com problemas afetivos e morais do que sociais e políticos. (p. 250)

           

Em Puebla (1979, p. 68), ao mesmo tempo em que se recomenda que a Pastoral de Juventude atenda o crescimento dos jovens numa ação transformadora, o documento abre margem para críticas às manifestações revolucionárias ao dizer que “já passou a hora do protesto, traduzido em formas exóticas ou através de exaltações intempestivas”.

            A Pastoral de Juventude do Meio Popular nasce então num contexto social em que o jovem é entendido política e religiosamente como sujeito histórico de libertação, tendo como pressuposto que a transformação da realidade é obra de todos que se comprometem com essa luta. 

            Para Abramovay, Andrade e Esteves (2007, p. 25) “a definição da categoria juventude em hipótese alguma pode ser a mesma para todos aqueles que nela estão enquadrados”. Há, pois que se considerar que a condição juvenil é vivenciada de diferentes formas, levando em conta as diferenças sociais refletidas na educação, trabalho, lugar e condições de moradia, tempo livre e outros aspectos. A PJMP objetivou responder ao desafio de criação de uma pastoral por classe social.

            É necessário conhecer o contexto histórico do surgimento da PJMP e a base da sua ideologia para que se tenha uma referência para as falas dos sujeitos pesquisados que, em diversos momentos, recorreram a esses aspectos.

2.1.  ORGANIZAÇÃO E PREPARAÇÃO DA JUVENTUDE PARA O TRABALHO COMUNITÁRIO

Para a CNBB (2007)

a igreja fragilizou-se ao resistir à possibilidade de mudança, distanciando-se da juventude, da sua linguagem, de suas expressões e maneiras de ser e viver diante do avanço da modernidade. (p. 16)

            Embora esse pensamento só tenha sido publicado num período posterior à criação da PJMP, ousamos afirmar que é ele que melhor representa o sentimento que definiu a necessidade de organizar a juventude para responder aos desafios propostos pelo novo modelo de sociedade.  Garcia et al (1994) nos chama atenção para as transformações que têm relação direta com a ação dos sujeitos populares. É essa perspectiva de transformação que está revelada nas falas dos sujeitos pesquisados quando relatam que o modelo de organização da PJMP diferencia-se de outros segmentos pensados para o trabalho dos jovens.

Inicialmente há um consenso em dizer que na PJMP o jovem idealiza, executa e avalia todas as ações, tomando como referência a sua classe social, a realidade e o tempo que vive. A dinâmica interna do movimento não se permite desconectar da consciência de classe social e de categoria. Assim, o seu trabalho visa à transformação pela atuação da juventude dentro e a partir da sua condição.

Diferente de outras organizações juvenis a PJMP aceitou como condição primordial para a sua atuação a concepção do jovem como ser integral. Assim, em suas ações foram contemplados os valores considerados importantes para os jovens: a democracia, o diálogo, a busca de felicidade humana, a transparência, os direitos individuais, a liberdade, a justiça, a sexualidade, a igualdade e o respeito à diversidade.

Concordando com Castro, Abramovay e Leon (2007, p. 117) na afirmação de que “a religião é [...] uma dimensão da diversidade e esta, no imaginário juvenil e na sua socialização e formação identitária, tem lugar de destaque” a PJMP inovou no campo ideológico ao contemplar política e religião num projeto de formação de jovens.

Finalmente, para os entrevistados, a combinação equilibrada desses aspectos possibilitou à PJMP inaugurar uma experiência de organização da juventude que permitiu aos seus militantes uma forma diferente de atuar junto às suas comunidades. Essa atuação está caracterizada principalmente pela capacidade de discutir qualitativamente elementos constitutivos da organização política e pela consciência de que a articulação do “mundo popular” (GARCIA et al, 1994) é a forma mais eficiente de combater os males do neoliberalismo.

 

3.  CONSCIÊNCIA E PARTICIPAÇÃO NO MEIO POPULAR

            Sabemos que o objetivo principal de todo movimento comunitário é a luta para a construção de uma sociedade igualitária. Em acordo, Barreiro (1980) diz que alcançar os verdadeiros níveis dos processos de conscientização consiste na única justificação para todo trabalho de Educação Popular.

            É importante esclarecer que essa afirmação se pauta na concepção de que a educação transcende à transmissão de conteúdos específicos no espaço escolar. Falamos aqui da educação que “ocupa lugar central na acepção coletiva da cidadania” (GOHN, 2001, p. 16).

            Dentre as conclusões a que chegaram os jovens reunidos em Recife, por ocasião da criação da PJMP, ficara determinada a aplicação de uma metodologia de acompanhamento visando um compromisso transformador do jovem com seu meio, tendo como eixo a conscientização e a participação.

            Com base nisso, buscamos compreender como os sujeitos dessa pesquisa conceituam cada um desses aspectos e a sua percepção sobre como cada um deles é percebido na atuação dos militantes da PJMP.

            A PJMP tem como dinâmica de organização a formação de grupos. Esses grupos reúnem-se periodicamente para discussão de assuntos previamente estabelecidos.  A principal marca desses grupos, chamados grupos de base, é a linearidade das relações. Ali todos possuem os mesmos direitos e deveres. O diálogo é a ferramenta constante de trabalho. Qualquer membro pode coordenar uma discussão ou chegar a ocupar o cargo de coordenador do grupo.

3.1. CONCEITUANDO PARTICIPAÇÃO

É na juventude que se concentram os maiores problemas e desafios, mas essa fase é também a de maior energia e potencial para o engajamento, participação.

            A definição do termo participação em dicionários é, para efeitos desta pesquisa, vaga e insignificante. O termo mais apropriado para definir a situação de quem é solidário e consciente das consequências sociais de suas ações é o engajamento.

            Sendo que “a dinâmica interna destes movimentos é marcada pela participação direta” (GOHN, 2001, p. 37) nas falas dos sujeitos pesquisados pudemos constatar significados distintos do termo participação, mas relevantes para responder as questões desse trabalho.

            A primeira conclusão a que chegamos é que para os jovens da PJMP, participar não é apenas estar presente fisicamente.

“Quem está presente, nem sempre está participando, porque essa de assistir só se aplica mesmo à televisão, que diz que o telespectador participa da programação. Porque pra participar a gente precisa entender do que está acontecendo. Como na missa: hoje o povo participa; antes o povo só assistia... não entendia sequer o que o padre, de costas, dizia.” (M.A.L., militante)

           

Isso é para Barreiro (1980, p. 51) a consciência de que “a pessoa humana não está no seu mundo, mas com ele”.

            Já para o militante A.S.O., a participação se efetiva na contribuição que se dá em qualquer etapa de uma ação, desde o seu planejamento até as críticas feitas aos resultados da ação realizada.

“Nos encontros a gente planejava e avaliava todos os eventos. Às vezes pessoas que nem estiveram lá (nos eventos) faziam colocações que contribuíam muito mais que aqueles que ficavam desde a acolhida até a confraternização.”

 

Participação foi também conceituada como a ação de contribuir para desfazer ou evitar que se faça algo, desde que se tenha consciência do que está fazendo. Assim, não existe a participação negativa e a positiva. As causas é que podem ser definidas como nobres ou não. Sobre isso, a militante F.D.S. nos fala:

“Tinha companheiro que se negava a dar o seu voto. Era o jeito dele participar. Mas sempre dizia o porquê. Isso era importante porque assim demonstrava o respeito que tinha pelo movimento e conquistava também o respeito de todos. Se não concordava tinha mais era que dizer mesmo.”

 

Para concluir, os entrevistados, em síntese, afirmaram que a participação da juventude na vida comunitária é algo importante para estender à sociedade a veiculação de espaços onde os jovens possam expressar suas opiniões e anseios. Segundo A.M.N., ex presidente do conselho de pastorais local,

“Se tem jovem na diretoria, à frente da organização do evento, eles mostram que podem contribuir também. Aí a gente começa a pensar de que jeito dá pra organizar um espaço pra eles se reunirem, pra conversar lá seus assuntos, do jeito deles.”

 

Ainda sobre a participação é importante dizermos da percepção dos entrevistados sobre os processos aprendidos nos grupos de jovens da PJMP. Para eles, as experiências vividas nos grupos é que os permitia conceituar a importância da participação para alcançar as conquistas almejadas.

“Participando do grupo a gente vê o quanto as pessoas crescem. Elas aprendem até a falarem melhor. De si e dos outros. Além disso, aprendem também a ouvir os outros. E logo vão aprendendo a discutir os problemas e planejar soluções. Isso ensina a gente a se organizar e lutar.” (M.D.R., militante)

 

            Reforçamos aqui a importância das vivências nos grupos de base da PJMP que em Freire (1986) se define como “uma educação que fizesse do homem um ser cada vez mais consciente de sua transitividade” (p. 90).

3.2. ONDE FICA ESSE ESPAÇO CHAMADO MEIO POPULAR?

            Uma das características da PJMP é o favorecimento da atuação dos jovens do meio popular nos bairros, nas escolas, nos locais de trabalho.

            Há, no interior do movimento, uma visão muito bem definida do que vem a ser o Meio Popular.

            Sabemos que o termo popular está associado à ideia de povo, do que vem ou é feito para ele. No entanto, consideramos relevante conhecer que entendimento os militantes da PJMP têm do termo.

Meio é ambiente, lugar. Isso está claro.

            Mas o que seria esse Meio Popular onde atua a PJMP?

            Quando interrogados acerca disso os sujeitos pesquisados sempre fizeram referências aos documentos eclesiais, destacando a opção preferencial que se faz aos grupos menos favorecidos. De início recorreram à origem do movimento quando citaram a JOC e os processos de conscientização da juventude no mundo do trabalho.  Alguns também comentaram os processos de formação nos grupos partidários, nos grêmios escolares e até nas associações comunitárias e sindicatos.

            Freire e Betto (2007), referindo-se ao movimento de educação social, nos convidam a refletir sobre o caráter pastoral e o caráter popular destas ações. Para eles, o caráter popular é “qualitativa e politicamente diferente do pastoral” (p. 66).

            Para a denominação popular a PJMP usa como base o termo pobre. É importante esclarecer que a palavra pobre tem aqui “uma conotação político-social. [...] Não designa apenas o indivíduo, mas a classe social explorada, a raça marginalizada, o grupo oprimido” (PUEBLA, 1979, p. 48-49).

Para nós, o que melhor representa a definição de meio popular é o depoimento da militante M.C.O. que afirma o seguinte:

 

“Somos do meio popular porque é através da nossa união que alcançamos algumas conquistas. E as conquistas que buscamos não são privilégios para poucos não. São conquistas que vão mudar a vida de todos do lugar.”

 

            Na concepção coletiva revelada principalmente nessa fala, observamos que o meio popular não define um espaço, um lugar. Trata-se, na verdade, daquilo que Gohn (2001) chamou de consciência popular do direito da gente, o potencial de luta enquanto construtora de uma nova ordem social. Em acordo, Freire e Betto (2007) nos dizem que o trabalho popular “comporta todas as pessoas da vila, da favela, ou da zona rural, interessadas na mesma causa (grifo nosso), independente das concepções religiosas ou preferências partidárias” (p.66).

 

Concluímos então, pelos depoimentos obtidos, que o movimento é do meio popular porque possui a capacidade de unir pessoas em favor de uma causa.

 

3.3. O QUE É CONSCIENTIZAÇÃO?

            Para iniciarmos a discussão desse elemento recorremos à Barreiro (1980, p. 171), que define conscientização como “modo humano de representação da realidade com a inclusão do próprio sujeito nesta representação”. O autor ainda nos diz da necessidade da “preparação de grupos populares capazes de se constituírem como agentes conscientes e críticos de todo o processo de mudanças sociais” (p. 22).

            Tomamos essas definições como ponto de partida porque elas representam com excelência as respostas obtidas nas entrevistas.

            Para os pesquisados a conscientização está intimamente ligada à participação. Ou seja, “é consciente aquele que sabe o quanto suas atitudes podem afetar a realidade do lugar e busca se comprometer com tudo que diz respeito à história do povo” como disse o militante J.A.V..

Eles também citaram que consolidou-se como tendência natural dos militantes da PJMP o exercício da liderança dentro e fora do movimento, fato que, para os entrevistados, pode ser entendido como revelador da consciência do dever social a ser cumprido.

Para P.J.B., coordenador de pastoral,

“as lições aprendidas no movimento - nos encontros dos grupos, na troca de experiências – fez com que os jovens buscassem conhecer sempre os problemas das suas comunidades e estudassem ações para solucioná-los. Isso é resultado da conscientização trabalhada dentro da PJMP.”

 

            Freire e Betto (2007, p. 29) afirmam que “conscientizar é passar da consciência ingênua para a consciência crítica”. Entendemos que é dessa transição que surge a solidariedade, característica peculiar dos que passaram pelos processos de formação da PJMP.

Falando disso, Teixeira (2007, p. 7) cita o comportamento com “capacidade de posicionar-se frente a questões de sua vida, do seu projeto de pessoa, da comunidade eclesial e da sociedade em que vive”. Tal afirmação vai ao encontro da percepção revelada por alguns ao concluírem que o nível de conscientização do jovem pode ser verificado também na atenção que ele dedica ao outro, no trabalho comunitário. De acordo com o militante F.A.F. “nem dá pra falar em conscientização se eu finjo que não vejo o sofrimento do outro”.

            Em complemento, concordamos com Sousa (1994) que discorre sobre as dimensões que devem ser englobadas nos processos de formação da juventude, com foco no seu desenvolvimento integral. Para ele, faz-se necessária uma pedagogia que englobe toda a vida do jovem, incluindo a formação técnica com o objetivo de capacitar os jovens para a liderança, o planejamento e a organização.

            É importante, para a validade da pesquisa, que discorramos sobre alguns comentários pertinentes ao elemento conscientização.

            Para os sujeitos dessa pesquisa nem toda pessoa que viveu o movimento de educação popular pode ser considerada uma pessoa consciente. Porque, segundo eles, a ação individual é também elemento subjetivo.

            Segundo F.A.F.

“houve quem fraquejou e não honrou os ensinamentos que recebeu no movimento... Faltou a coragem de ser diferente. E é até compreensível. Alguns se calaram,  por causa do emprego, da promoção, da amizade. Afinal, todo mundo precisa se manter de alguma forma. O movimento apoiava, formava a consciência da gente. Mas vai falar em consciência pra barriga roncando ou pro corpo nu.”

           

            É disso que Freire fala quando diz que a “educação é um ato de coragem” (1986, p. 96).

            Não temos aqui a intenção de criticar ou justificar quaisquer ações dos indivíduos envolvidos nas questões desse trabalho. Porém, achamos importante registrar essa compreensão que é também uma dimensão significativa das dores que a consciência crítica pode gerar, e ainda, para atender a sugestão do sujeito que fez essa observação. São as correlações causais e circunstanciais como diz Freire (1986).

 

4.  CONTRIBUIÇÕES DA PASTORAL DA JUVENTUDE DO MEIO POPULAR PARA A FORMAÇÃO PESSOAL DOS JOVENS

            Tomando as formas de participação juvenil para conceituar a PJMP, inicialmente a classificamos como grupo que atua para transformar o espaço local. Nesta categoria incluem-se também as pastorais em geral, movimentos eclesiais, redes, ONG’s, associações comunitárias e outras organizações juvenis.

            A primeira contribuição que esses movimentos trazem para os indivíduos revela-se na sua dimensão afetiva, que segundo Sousa (1994, p.11) nos ajuda a “ser pessoa”.

            Tal afirmação do autor nos fez refletir sobre as falas que fizeram referência à consciência de categoria. Enquanto juventude é importante que os jovens tenham clareza do seu lugar na sociedade. A chamada formação identitária é para a juventude um grande desafio.

Becker (2001) nos chama a atenção para essa construção - marcada, sobretudo pelos conflitos internos em busca desse entendimento de si - e para a importância da influência social no desenvolvimento da personalidade.

Para os sujeitos da pesquisa é preciso que se compreendam as manifestações da juventude como forma de revelação do que se é.

Dick (2007) reforça essa ideia quando nos fala das

décadas nas quais os jovens apareceram como juventude, opondo-se (talvez inconscientemente) às décadas de 1920 e 1930, afirmando-se, de forma nova, como protagonistas na sociedade, nas escolas e nas igrejas. (p. 237)

           

A PJMP é, por definição dos pesquisados, um movimento social jovem. Sua missão está voltada à formação política e social da juventude, a partir da sua vivência.

“ A PJMP foi para mim um espaço completo de formação. Falávamos de nós, de nossas famílias, da nossa comunidade... e de tudo que estava ligado com a nossa formação. Política, trabalho, educação. Tudo ali pertencia a nossa história. Por isso a PJMP mexeu tanto com os jovens.” (J.A.V., militante)

           

Em acordo com essas colocações Sousa (2004) nos diz das dimensões da vida do jovem a serem contempladas na sua formação: afetiva, social, espiritual, política e técnica. Acentue-se que o autor chama de dimensão política o desenvolvimento do senso crítico do jovem com intuito de ajudá-lo a se tornar sujeito histórico. Nos depoimentos colhidos durante a pesquisa esse fator foi apontado como principal contribuição da PJMP para a formação pessoal da juventude. A militante M.D.R. nos diz :

“Quem falava com um jovem da PJMP logo notava que a gente não era um abestado sem informação. A gente sabia exatamente onde morava cada dever e cada direito que a gente tem.”

 

            A impressão que ficou para os que militaram no movimento foi de que as experiências dos grupos não se restringiram tão somente àqueles momentos de discussões. O que os jovens aprenderam lá ao falarem de si, da família, da escola, do trabalho,... suscitou-lhes a preocupação com a comunidade e, posteriormente o compromisso com a sociedade. Essa é, para eles, a principal relação entre a sua atuação como liderança e o que aprenderam na PJMP: a necessidade de ampliar sempre seu espaço de atuação para que o protagonismo juvenil contribua efetivamente para a construção da sociedade que se deseja.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Nossa intenção ao realizar esta pesquisa foi de colher dos sujeitos entrevistados elementos que nos permitissem refletir sobre de que forma a Pastoral da Juventude do Meio Popular contribuiu para a formação de lideranças comunitárias.

            Grata surpresa! Recebemos muito mais que isso!

            A história que buscamos conhecer nos revelou muitas outras.

Essas outras histórias precisam ser contadas. Não pelas histórias, mas por aqueles que precisam sabê-las. Porque dessas histórias há muitas lições a serem aprendidas.

            São histórias de lutas, de discursos enganosos, de gente que acreditou, de gente que ainda acredita, de quem ouviu falar, de quem viveu, de quem ainda espera...

            Conhecer a origem da PJMP não nos parecia tão relevante para responder às questões dessa pesquisa, no entanto, foi essencial para as considerações necessárias ao seu entendimento.

            Ao tratar das lutas assumidas em busca da cidadania também fomos surpreendidos com algumas respostas que constataram que o nosso contexto atual ainda é de busca. Talvez as mesmas que mobilizaram os movimentos sociais nas décadas de 70 e 80. Porque ainda há jovens atuando na defesa de princípios e cultivando a esperança de tempos melhores.

            O tema juventude nos aparece agora ainda mais atual. É uma discussão que se renova cotidianamente.

            As narrativas das experiências vividas nos confirmaram a diversidade juvenil e a necessidade de olhares criteriosos para tratar do assunto juventude sem tabus. Os relatos ora encantados, ora desiludidos, revelaram um desejo ainda bem vivo de que a juventude venha a ser respeitada na sua essência, como fase de descobertas e formação de identidade.

            Para isso é preciso bem mais que espaços para esporte e lazer. Essas políticas não dão conta da demanda que aí está.

            Como na canção de Chico Buarque, o que se quer é “voz ativa, no nosso destino mandar”, não sobrar no mercado de trabalho, não morrer vítima da violência, não viver desconectado, por causa da internet.

            Constatamos ainda que o desafio que o sistema atual faz aos jovens é o de conciliar num mesmo projeto o desejo de autorrealização e o de uma sociedade justa. Cabe ao poder público e às instituições que se dedicam à juventude investir em ações que possibilitem essa realização.

            Analisando os depoimentos e observando os sujeitos da pesquisa vimos que a diversidade é a maior riqueza que a vida em sociedade nos oferece. É pena que ainda há quem confunda comunidade com uniformidade e espere encontrar pessoas com pensamentos, anseios e atitudes idênticos só porque se unem em favor de causas comuns.

            Dentre as contribuições que esse trabalho nos trouxe ficou também a lembrança das experiências adquiridas e das lições aprendidas nos grupos, nas comunidades onde passamos em nossa trajetória pessoal.

            Resta-nos, enfim, a certeza de que esse trabalho é uma obra incompleta, pois há muito mais a ser dito sobre a Pastoral da Juventude do Meio Popular, em Sobral e em muitos outros cantos onde a PJMP atuou. Não sabemos afirmar se a ordem dos aspectos aqui discutidos é apropriada. Afinal como definir quem vem primeiro? Participação ou Conscientização? Será a conscientização que desperta o homem para a participação? Ou a participação é que conscientiza o homem?

Registramos também o desejo de que outras pesquisas aprofundem as questões aqui abordadas e que se voltem também para os aspectos que não contemplamos. Das contradições existentes no interior do movimento e até, quem sabe, da negação do que escrevemos aqui. Que venham outros!

            As ações do movimento continuam acontecendo. Melhor será que não se percam na história.

 

REFERÊNCIAS

 

ABRAMOVAY Miriam; ANDRADE, Eliane Ribeiro; ESTEVES, Luiz Carlos Gil; (org.). Juventudes: outros olhares sobre a diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; Unesco, 2007.

 

BARREIRO, Júlio. Educação Popular e Conscientização. Petrópolis: Vozes, 1980.

 

BECKER, Daniel. O que é adolescência. São Paulo: Braziliense, 20001.

 

BUARQUE, Chico. Roda Viva . Editora Musical Arlequim Ltda, 1967.

 

CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Evangelização no presente e no futuro da América Latina. Puebla de los Angeles: Edições Paulinas, 1979.

 

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização da Juventude: Desafios e perspectivas pastorais. São Paulo: Edições Paulinas, 2007.

 

CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam; LEON Alessandro de.  Juventude: tempo presente ou tempo futuro? Dilemas em propostas de políticas de juventudes. São Paulo: GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, 2007.

 

DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes: Jovens construindo juventude na história. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

 

FREIRE, Paulo; BETTO, Frei. Essa escola chamada vida: Depoimentos ao reporte Ricardo Kotscho. São Paulo: Editora Ática, 2007. 14ª edição.

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. 14ª edição.

 

GOHN, Maria da Glória Marcondes. Movimentos sociais e educação. Saõ Paulo: Cortez, 2001. 4ª edição. Coleção Questões da nossa época.

 

GARCIA, Pedro Benjamim [et al]. O pêndulo das ideologias: a educação popular e o desafio da modernidade. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

 

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: Abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

 

MINAYO, M.C.S. Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994.

 

SEVERINO, A.J. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez, 2002.

 

SOUSA, Rui Antônio de . O jovem cresce no grupo. Mundo Jovem. Porto Alegre: PUCRS, 1994. Edição 250.

 

TEIXEIRA, Carmem Lúcia. Como preparar novas lideranças. Mundo Jovem. Porto Alegre: PUCRS, 2007. Edição 376.

 

HISTÓRIA da PJMP. PJMP: Espaço aberto para te acolher. Disponível em http://www.pjmp.org/. Acesso em: 22 e 23/07/2010, 09 e 10/09/2010, 15 e 16/11/2010.

 

LEITURAS COMPLEMENTARES

 

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Braziliense, 1995.

 

CHIZZOTTI, A. A pesquisa qualitativa em Ciências Humanas e Sociais. Petrópolis: Vozes, 2006.

 

MARTINS JÚNIOR, Joaquim. Como escrever trabalhos de conclusão de curso. Petrópolis: Vozes, 2009.

 

 

 



[1] Artigo apresentado a Banca Examinadora do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), como requisito parcial para obtenção do título de licenciada em Pedagogia.

[2] Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú.

[3] Mestra em Gestão Educacional, Coordenadora Adjunta do Curso de Pedagogia e Professora da Universidade Estadual Vale do Acaraú, orientadora da pesquisa.