Expectativas, Aprendizados e Sentimentos na Cúpula dos Povos
Janeide Lavor [1]
"Agora, resolvi unir meus sentimentos ao de todos,
se por um lado multiplico minhas dores,
por outro multiplico minhas esperanças". (Hélio Pelegrino)
Quando sai de Manaus com destino a Cúpula dos Povos no Rio de Janeiro, levava na bagagem muitos sonhos e esperanças, além do grande otimismo que dias melhores estávamos buscando, mesmo diante de tantas leituras que anunciavam o fracasso da Rio + 20, estava motivada pelas singelas conquistas obtidas na Cúpula da Terra/Eco-92.
Pensava! Quem sabe o que não avançamos em 20 anos atrás, seja possível agora, acreditava em mais ousadia por parte dos chefes de Estado, que buscassem assumir os compromissos firmados em 92 e que quase nada fizeram, que isso fosse de fato avaliado e os que deixaram de contribuir tivesse alguma punição, para que motivasse a efetivação dos trabalhos assumidos coletivamente.
Acreditava que esses "representantes" dos povos viessem dispostos a avançarem nas discussões e saíssem com uma agenda de compromissos com linhas e diretrizes especificas a serem concretizados e apresentado ao mundo como compromisso de defesa e preservação da vida, com transformações que priorizasse a sustentabilidade, com justiça social, ambiental e econômica.
As esperanças que levei na bagagem com relação à Cúpula dos Povos, me surpreenderam em muitos aspectos, mas não ignorava que muito do que seria discutido, não iria ressoar na Conferência Oficial da Rio + 20, o que é lamentável, tendo em vista que é a participação popular, que grita e aponta as principais mudanças em defesa da sustentabilidade para o planeta.
Neste período de 20 anos até à Rio + 20, os governos se enganavam e tentavam enganar a sociedade, com o paradigma do Desenvolvimento Sustentável. A Rio +20 escancarou a desfaçatez introduzindo outro paradigma da Economia Verde.
A linguagem agora é muito mais assumidamente capitalista. Em nome do verde, ou da Economia Verde, leia-se do desenvolvimento baseado no discurso no desenvolvimento humano, na prática, apenas no Crescimento Econômico, pode-se tudo.
Porém, segundo João Santiago: "É melhor falar de evangelização, é muito mais fácil e cômodo que efetivamente evangelizar. Não compromete. Fácil também é encontrar alguém querendo mudar os outros e o mundo, mas não é fácil encontrar alguém disposto e querendo mudar a si mesmo e seus hábitos". [2]
Discutir novas formas de produção e consumo para a construção de um desenvolvimento sustentável é ilusório sem a participação e atuação de todos os países, principalmente os mais envolvidos nestas problemáticas como é o caso da Europa e Estados Unidos, que consomem cerca de 80% dos bens produzidos no planeta. [3]
Faz-se necessário a participação de todos, com responsabilidades compartilhadas e iniciativas concretas. Não se pode deixar a frente dos bens socioambientais os interesses econômicos dos países ricos.
Esses visam apenas à crise financeira, à decadência do modelo de produção e consumo alimentado pelo capitalismo, e fecham os olhos, tampam os ouvidos para as crises socioambientais, que a cada dia tem se apresentado mais decadente.
Os dados científicos são cada vez mais pessimistas com relação às catástrofes ambientais, restando a nós a tarefa de diminuir a exploração dos recursos naturais.
Nossa crise é ainda maior, pois ao que se refere à questão social, temos a má distribuição de renda, que nos leva ao quadro de extrema pobreza, refletidos em outros cenários sociais como: a educação, segurança alimentar e nutricional, segurança publica, direito à moradia, dentre outros.
Dificilmente os governos darão uma resposta capaz de amenizar as problemáticas existentes, a preocupação deles é com a crise financeira, que a cada dia os governos vêm repassando recursos públicos para solucionar o caos existente.
Não estão interessados em salvar o planeta, mas sim os banqueiros e todo o poder econômico que está por trás. Mas, alertamos que estamos em campanha política, e podemos mudar esta situação.
Pois hoje a nossa inquietação enquanto sociedade civil e militantes sociais é de buscarmos mudanças, sair as ruas, nos articularmos, nos mobilizarmos para não permitir tamanho descaso com a população, sobretudo excluída.
O CEBI tem motivado em suas áreas de atuação essas manifestações populares e se fazendo presente em muitas delas, a nossa participação na Cúpula dos Povos é nossa maneira enquanto cebianos/as de nos unirmos aos demais cidadãos, de juntarmos as bandeiras de luta com os movimentos e entidades sociais, para realizarmos o enfrentamento aos descasos socioambientais por parte dos governos.
Precisamos ocupar as ruas realizando manifestações populares, gritar nossos anseios e questionarmos os governos e suas ações para com o povo, pois a indignação popular é vista em toda parte, e só lembrar das manifestações na Grécia, Irlanda, Portugal, Itália, Espanha, e atualmente no Paraguai com o Golpe de Estado.
E nós? Sociedade civil e Movimentos Sociais que, apesar da presença, da participação e da contribuição dada, ainda estamos muito aquém do que é preciso. A fragmentação, a dificuldade de uma ação coesa e de transbandeirização, que leve a todos/as a lutarem juntos/as pela causa maior. A vida em todas as formas existentes no planeta.
O Centro de Estudos Bíblicos - CEBI apresenta em suas assessorias essa preocupação com as questões socioambientais e tem marcado presença em inúmeras manifestações sociais, sempre motivando a atuação e participação da sociedade.
A riqueza que há nessas manifestações populares é sentida diretamente na esfera governamental, daí a importância de se promover espaços para essa discussão e troca de experiências, vivencias e saberes populares.
Como os que ocorrem nos Fóruns Sociais Mundiais, Assembléias Populares, Fóruns de Fé e Política, Círculos Bíblicos, na Cúpula da terra dos Povos, e tantos outros espaços mobilizados pela sociedade civil organizada.
Parece cada vez mais evidente que as mudanças necessárias não virão de governos, sobretudo dos países ricos, mas da sociedade.
A sociedade civil [4] precisa dar uma resposta aos descasos dos governos, buscar seus parceiros e aliados, quem de fato sejam sua voz e os representem de fato e direito, mas para isso precisamos nos expressar nas manifestações populares, ocupar as ruas de nossas cidades e juntos/as mostrarmos toda a nossa insatisfação com os governantes.
Além de nos expressarmos eleitoralmente, não podemos esquecer dessa arma forte e eficaz que temos literalmente nas mãos, o povo se esquece do poder que tem nas urnas eleitorais.
Somos capazes de mudar toda essa situação, mas para isso acontecer, precisamos também ocupar esses espaços governamentais, precisamos eleger gente do povo, da militância e luta social e dar condições e apoio para que possa nos representar, sendo nosso/a porta voz, onde não falará para nós nem por nós, mas conosco.
Desta maneira será possível a mudança de conjuntura. Segundo Frei Betto [5]: "mudança de conjuntura exige mudança dos atores sociais". P. 209, 2006. Se para transformarmos o atual cenário for preciso nos apropriarmos dos espaços políticos, que assim seja, mas conscientemente.
Na Rio + 20, foram feitas muita alegorias para nada, conforme ressalta Frei Betto.
"O que a Rio-92 representou de avanço, a Rio+20 representa de retrocesso. Em 1992 foram aprovadas a Carta da Terra, a Agenda 21 e três importantes convenções: biodiversidade, desertificação e mudanças climáticas. A partir de então, muitos países criaram ministérios do meio ambiente. O entusiasmo durou dez anos. Em 2002, na Conferência de Johanesburgo, os governos se recusaram a prestar contas do que haviam acordado no Rio. Já tinham constatado que não há compatibilidade entre preservação ambiental e modelo de desenvolvimento – predador e excludente - centrado na acumulação privada do capital. Tivemos então dez anos (2002-2012) de conversa fiada." (Artigo: Fracasso da Rio + 20, 03.07.12 – Adital.)
Pior que não contribuir para a mudança de postura frente à degradação do ecossistema é ainda pensar nos investimentos públicos utilizados pelos governos para a realização da conferência oficial a Rio + 20, que só retrocedeu, antes ter otimizado este gasto em prol da população.
Na mesma reflexão questiona-se a participação e atuação de alguns militantes, a postura frente aos movimentos sociais e as bandeiras de luta, como foi a nossa atuação? Será que entre nós há pessoas que não estão tão preocupadas com nossas lutas?
É preciso rever nossa postura, sobretudo quando utilizamos recursos públicos, pois precisamos dar um retorno às bases. Ter coerência e compromisso com a causa, que nos levou até a Cúpula dos Povos, além de avaliarmos qual a importância de participarmos da Cúpula dos Povos faz-se necessário responder o que isso vai fortalecer as lutas populares?
Lembrando do comprometimento que temos com a base e que a luta vem em primeiro lugar, pois da mesma forma que cobramos dos nossos representantes políticos, dos governos, também precisamos cobrar dos nossos companheiros/as de luta, que vão para esses espaços representando uma Região, um Estado, Município, Movimento Social, Entidade, Pastorais Sociais, ou seja, a nossa base.
Esses representantes do povo vão com o dever de expressarem toda a indignação e descontentamento de uma classe social, estão lá para serem a voz de todo um grupo que nele/a confiou seus anseios e esperanças. "Um país se muda mudando as pessoas". (SANTIAGO, 2008, p 21).
Ser militante social é ter comprometimento e fidelidade à base e à causa que representa. Frei Betto nos diz o que é ser militante de esquerda [6]: "É manter viva a indignação e engajar-se em prol de mudanças que façam cessar a marginalização e a exclusão". E ainda, nos alerta para não sermos "militontos", ele diz: "Evitei ser um "militonto"; é ridículo ver "militontos" se gabarem de atuar em diferentes trincheiras – pastorais, sindicais, partidárias – sem demonstrar eficiência em nenhuma delas".
Na Cúpula dos Povos, vi e ouvi o grito das juventudes contra o extermínio de jovens, onde levantaram suas bandeiras e deixaram sua mensagem. Esta mesma juventude, que atuou e participou freneticamente das discussões políticas, sociais, econômicas, e ambientais. Que mostrou não ser alienada e ao contrário do que muitos pensam tem muito para contribuir.
Essa mesma juventude, que proporcionou há diversos jovens a oportunidade de partilhares suas inquietações e juntos/as buscares novas alternativas e atitudes socioambientais, nesses grupos juvenis ressalto a Rede Ecumênica da Juventude - REJU, Federação Universal de Movimentos Estudantis Cristãs – FUMEC e a Juventude Luterana e Cebiana, que estiveram juntos/as no Acampamento da Juventude, no Instituto Metodista Bennett. Que foi palco de muita partilha e mobilização juvenis.
Estavam reunidos no acampamento da Juventude, jovens de todas as regiões brasileira, além de representantes de outros países, como Colômbia e Argentina, que unidos fizemos uma bonita manifestação nas ruas do Rio de Janeiro.
Nessas manifestações vi muita esperança, sonhos, vontade de fazer as coisas darem certo, vi gente simples com sutileza, carinho e bondade, humanizando outros seres. Fazendo bem mais que discursando.
Ouvi muitas falácias bonitas dignas de aplausos e receberam aplausos, mas, entretanto vi muitas contradições com o que se diziam e o que efetivamente se fazia. E Frei Betto nos diz: "Entre filosofar e praticar há enorme distância". (p.181, 2006). Vi e vejo muita "filosofia" desligada de uma ação coerente.
Porém, vi muita gente humilde, sendo solidárias entre si, os jovens partilhando o que tinham, homens e mulheres se ajudando, sem nada desejar em troca. A esperança vinda dos pequenos, do povo. Isso me fez lembrar de João, o Profeta da partilha, que conheceu a realidade de uma vida sofrida, que vivenciou as alegrias e tristezas de uma terra sem água, as terras do deserto, que aprendeu o verdadeiro sentido da partilha e solidariedade. João disse: "Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, e quem tiver o que comer, faça o mesmo" (Lc 3, 11).
Vi muita solidariedade entre pessoas que nem se conheciam, mas que se reconheciam humanamente iguais a todos/as. Eu mesma recebi este cuidado, fui acolhida entre mulheres que nem me conheciam, mas que sentíamos a mesma motivação, estávamos unidas pela luta, pela militância, sobretudo por nossas esperanças, sonhos e utopias do que ainda nem havíamos experimentado deste encontro, mas que já estávamos perfumadas pelas flores que ali queríamos colher e plantar.
Vi algumas mulheres de seios livres – a montanha que alimenta.
Lembraram El Shadai "A palavra Shadai vem de Shad: mama, seio, úbere. Expressa a idéia de fartura, fertilidade, abundância, ternura, carinho, amor. É o leite materno que alimenta a criança. São os úberes exuberantes que fazem crescer robustos os filhotes do rebanho". [7]
Mulheres essas que defendem a vida, que alimentam a nação de esperança e amor abundante, que estavam ali lutando como somente as mães são capazes, mostrando sua força e garra para defenderem seus filhos/as.
Assim, ouvimos e enxergamos as mantedoras da vida. Vimos à ousadia delas em frases gritantes e ao mesmo tempo silenciosas, ora gritavam em nossos ouvidos, ora nos silenciava e emocionava.
Além dos cartazes com frases que nos causavam as mesmas sensações, como por exemplo, um que dizia: "Não ensinem as mulheres como não serem estupradas, ensinem aos homens a não estuprarem!".
Neste contexto que vivenciamos a Cúpula dos Povos, que nos unimos aos jovens, crianças, povos indígenas, agricultores/as, militantes, mulheres e homens na esperança de fortalecermos as nossas lutas socioambientais, para a melhoria de vida no planeta, sabendo que: "Não há vitória, sem luta". E nossa participação na Tenda Religiões por Direito, nos trouxe uma experiência riquíssima que desde já agradecemos ao CEBI, por nos proporcionar este momento tão importante para nossa caminhada ecumênica.
Notas:
1 - Janeide Lavor é assessora do Centro de Estudos Bíblicos – CEBI/AM, Educadora Popular da Rede de Educação Cidadã - RECID/AM e da Secretaria Municipal de Educação - SEMED/AM, além de (Mestranda em Ciências da Educação). Reside em Manaus-AM ([email protected]).
2 - João Santiago. Teólogo, Poeta e Militante. É educador Popular e Assessor das CEBs-PR. Mestre em Teologia pela PUCPR. [email protected]. Artigo, "Remendos Coloridos numa Veste Preta". ADITAL, 22/08/11.
3 - Le Monde Diplomatique Brasil, ANO 5/NÚMERO 59, p.3, junho 2012.
4 - Entendemos por Sociedade civil a esfera das relações – entre pessoas, grupos, movimentos e classes sociais – que se desenvolvem de modo autônomo frente às relações de poder próprias das instituições estatais. A sociedade civil é a base da qual emanam os conflitos, as reivindicações e as denúncias a que o sistema político deve responder. A sociedade civil é o espaço das relações do poder de fato, enquanto o Estado é o espaço das relações do poder de direito. Frei Betto. A mosca azul, p. 200, 2006.
5 - Frei Betto é escritor, assessor de movimentos sociais e frade dominicano. Nascido em Belo Horizonte, estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia.
6 - BETTO, Frei, A mosca azul – Rio de Janeiro: Rocco, p. 145;147/2006.
7 - SOUZA, R. C. Palavra Parábola. p.92.
Bibliografia:
- Le Monde Diplomatique Brasil, ANO 5/NÚMERO 59, p.3, junho 2012.
- SANTIAGO, João. Chuvas de Prata - Reflexões de um Poeta. 2008.
- Betto, Frei, A mosca azul – Rio de Janeiro: Rocco, p. 145;147/2006.
- SOUZA, Rômulo C. Palavra Parábola – uma aventura no mundo da linguagem. Aparecida: Ed. Santuário, 1990.