A Igreja Doméstica Acolhendo a Quaresma

A Igreja Doméstica Acolhendo a Quaresma – Curitiba, 11/02/2018

No portão interno que nos leva ao corredor e ás dependências daquela casa simples, acolhedora e de mesa farta, um rosário grande com um crucifixo sob contas coloridas, fixado às barras de ferro, que já chama a atenção de quem se aproxima. Estamos numa casa de oração. Completa o convite à contemplação de quem já foi acolhido pelo quintal que, apesar de pequeno, contém uma dezena de espécies de flores diferentes. Na sala, além dos dois sofás, cobertos por duas mantas brancas de tricô artesanal, e de duas cadeiras de balanço, disputadas por filhos/as netos/as e bisnetos/as, afilhados/as, sobrinhos/as, genros e noras, mas que os idosos têm sempre a prioridade, um pequeno altar. Trata-se de uma mesinha de aproximadamente trinta centímetros de altura, sem gavetas, que serve de repouso permanente para uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e outra de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e outras três ou quatro pequenas imagens de outros/as santos/as. Hoje, excepcionalmente, vemos também uma lindíssima imagem do Sagrado Coração de Jesus. Estamos na casa da minha mãe, a dona Francisca Maria do Carmo que, além de Cristã-Católica-Mariana, é devota do Apostolado da Oração. É uma Matriarca com autoridade testemunhal e uma Rezadeira, devota e que faz seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré, a partir de sua casa. Viúva há 26 anos, vive uma vida consagrada a Deus e à família. No próximo dia 10 de abril, a mamãe celebrará seus oitenta anos, mas mantém-se com um coração de menina.  

Desde o ano 2000, quando o seu terceiro filho e vizinho mais próximo, Antonio Ferreira Santiago, enfrentou uma grave enfermidade, e a venceu a partir de orações e penitências de toda a família, sobretudo da mamãe, e da ciência médica, acontecem as Mil Ave Marias da Vó. Sempre no Domingo que abre a semana da Quaresma, todos/as são convidados. Familiares, vizinhos/as amigos/as. Já é um costume. Nada de doutrina ou obrigatoriedade. Quero a misericórdia e não o sacrifício (Os 6,3-6; Rm 4, 18-25; Mt 9, 9-13). Ninguém é obrigado a participar de toda a penitência, de modo que, uns vêm para as primeiras quinhentas Ave Marias, outros para a segunda parte, enfim, outros ainda vêm só por uma parte menor. Na metade da caminhada como diz a Benta, filha caçula, tem um intervalo. Uma mesa farta de comidas, inclusive típicas cearenses, como tapioca e baião de dois, por exemplo, fica permanentemente à disposição dos fiéis. No intervalo a cozinha se transforma em casa da vó e todo/as se alimentam com abundância.

A metodologia é recheada de símbolos e de alegorias que tornam tudo agradável. Um jarro cilíndrico com água conserva vinte lindas Rosas Dálias Vermelhas, que repousam e expressam a beleza da fé vivida em família. Cada pessoa ou casal presente, reza cinquenta Ave Marias, gesto marcado pelo transporte de uma das Rosas para outro jarro. Este, de louça branca, também com uma porção de água dentro. A cada cinquenta Ave Marias, ou seja, a cada Rosa Dália Vermelha transportada de um jarro para o outro, canta-se um canto. Geralmente um canto Mariano. Após rezar as Mil Ave Marias, todas as vinte Rosas Dálias Vermelhas estão mais viçosas e sorridentes do que antes. E mesmo com visíveis sinais de cansaço em alguns, o ambiente é de muita paz. Todos estão um pouco parecidos com as Rosas Dálias Vermelhas. Mais vivos do que antes.

A pequena vela, que agora, aproximadamente cinco horas e meia depois, encontra-se quase que consumida, como toda vida cristãmente vivida, além de ter iluminado o seu entorno, parece brilhar mais do que antes. Este ano, 27 pessoas participaram das Mil Ave Marias da mamãe. Normalmente, mais pessoas participam. Ao final, havia 17 pessoas, que encerram este momento de oração e de acolhida da Quaresma, com a entronização dos Santos. Ritual herdado de meu pai, Noé Ferreira Santiago, lá no Sítio Açude dos Cândidos, no Sertão Cearense, e no oratório que ele inaugurou há exatos sessenta anos. O ritual é lindíssimo e faz esquecer o cansaço. Cantamos assim. “Entra Deus e entram os Santos, entra toda a alegria. Também entra Jesus Cristo, Filho da Virgem Maria. A Virgem Nossa Senhora, é Madrinha de São João. Eu também sou afilhado/a da Virgem da Conceição”. Terminamos com o abraço da paz, cantando “Abençoa Senhor meus amigos e amigas” do Padre Zezinho. E, claro, com uma maravilhosa sopa, marca das tardes de Domingo na casa da mamãe. Assim iniciamos os preparos para a Páscoa.

João Santiago.
Teólogo, Poeta e Militante.