PAIXÃO, MORTE E VIDA
Tem dias e semanas que condensam o tempo. A última semana foi destas. Semana encantada.
Segunda, 22, o presidente Lula assinou Decreto de criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena, no Ministério da Saúde, reivindicação histórica.
Terça, no II Salão dos Territórios Rurais, em Brasília, houve um painel com o tema Desenvolvimento, Território e Democracia. Tânia Bacelar, economista da Universidade Federal de Pernambuco, falou da necessidade de um novo modelo de desenvolvimento. “A terra não agüenta o ‘american way of life’ – modo americano de viver. E é preciso pensar num mundo rural com gente, não com máquinas.”
O economista francês Ignacy Sachs disse que estamos na terceira grande crise mundial. Há um duplo desafio no século XXI: ambiental e social, com o tema da desigualdade. O desenvolvimento deve ser includente, sustentável e solidário. Segundo ele, a experiência dos Territórios da Cidadania é sem comparação no mundo. E chamou a atenção para 2012, quando vai acontecer, vinte anos depois da Rio-92, a nova Cúpula Mundial da Terra no Rio de Janeiro, momento decisivo para o Brasil e o mundo.
O italiano Carlo Petrini, fundador do Movimento Slow Food, clamou por um novo humanismo. Há uma crise de perda de sentido. É preciso reduzir o desperdício. “Não precisamos de consumidores, mas de cidadãos.”
Quarta, a convite da Fundação Banco do Brasil, Leonardo Boff falou sobre Ética, Espiritualidade e Trabalho. Leu a Carta da Terra, que tem sua forte contribuição. E lembrou como em setembro de 2009, ele e Evo Morales, presidente da Bolívia, defenderam na ONU que se usasse a expressão Mãe Terra nos documentos em vez de apenas Terra. “Pode-se comprar, vender, explorar a terra. Mas a mãe cuida, ama. Por isso, Mãe Terra”. 192 países, por unanimidade, aprovaram a mudança.
Ainda na quarta, o Presidente Lula e ministros da área social discutiram a proposta de Consolidação das Leis Sociais, ainda em formatação, para assegurar aos pobres e trabalhadores políticas públicas e sociais que defendam seus interesses e necessidades. E, com a presença do presidente, houve a premiação de experiências exitosas que buscam atingir os ODM - Objetivos do Milênio – até 2015, a maioria já cumpridos no Brasil.
À noite, em celebração tocante na CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – foi rememorado D. Oscar Romero, Cardeal de El Salvador, assassinado há 30 anos por sua luta pela justiça e por uma América Latina onde reinem a solidariedade e a partilha.
Quinta, na entrega do Prêmio Rosani Cunha de Desenvolvimento Social – Ações Integradas para Proteção e Promoção Social –, companheira militante e Secretária de Renda de Cidadania do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que morreu de acidente ano passado na Argentina, o ministro Patrus Ananias falou que o direito fundamental é o direito à vida, que também significa direito à alimentação, à educação de qualidade, ao trabalho, à água potável. No mundo de hoje, o que tem valido na prática é o direito à propriedade. Patrus disse que não se pode deixar que as pessoas morram. “É não deixar morrer. È preciso dizer: esse vamos manter vivo. O mistério da ressurreição.” Quando havia dúvida sobre algum programa, Rosani dizia: ‘Mas é para os pobres, ministro’. “O que acomoda as pessoas não é o Bolsa Família. O que acomoda é a fome. O Ministério de Desenvolvimento Social é de combate à fome, até se transformar em Ministério de combate à pobreza e um dia será apenas Ministério de Desenvolvimento Social.”
Sexta, o V Encontro Nacional do Programa Escolas-Irmãs, ligado ao Gabinete Pessoal do Presidente da República. Mais de 200 pessoas de quase todo Brasil trocaram experiências, solidariedade, convivência. O escocês Liam Kane lembrou de Paulo Freire e de sua influência na educação brasileira, latino-americana e mundial.
A semana em que estamos condensa a história. Quinta-feira, a partilha do pão feita por Jesus ao redor da mesa com os irmãos, irmãs, companheiros e companheiras. Sexta, o sofrimento de quem é torturado por sua pregação, suas parábolas, seus milagres, seus sonhos, seu Reino. E é morto na cruz como se ladrão fosse. Depois, (re)aparece vivo na memória, nos gestos, nas palavras, na esperança de um mundo de paz, de justiça, de fraternidade.
Felizmente, alguns momentos, dias, semanas tornam mais fácil e saboroso o viver. As crises são oportunidade de se pensar e construir o novo. Passa-se pela paixão, sofrem-se mortes, mas o tempo da vida e da luz sempre acontece. O novo sempre vem, na nossa vida, na comunidade, na história.
O mundo hoje é de paixão, sofrimento e morte para muita gente, especialmente pobres e trabalhadores. Mas ninguém pode ou deve renunciar à possibilidade do Aleluia e da Ressurreição.
Selvino Heck
Assessor Especial do Gabinete do Presidente da República
31 / 03 / 2010