Nós vencemos a morte e sobrevivemos à vida!

NÓS VENCEMOS A MORTE E SOBREVIVEMOS À VIDA


Quando se chega a um tempo ou a um lugar desconhecidos, por mais que se tenha buscado e esperado esse tempo e esse lugar, é sempre motivo de alegria. O Brasil entrou em campo desconhecido, em chão ainda não pisado em tempo ainda não vivido. Estamos caminhando para consolidar a nossa democracia. Esta tarefa é do povo brasileiro, mas coube ao Partido dos Trabalhadores – PT -, a sua condução. O PT é o primeiro filho da democracia que hoje ainda jovem, prepara-se para viver a fase adulta. Este momento eleitoral de 2014 trouxe muitos sinais deste processo e desta mudança. Mudança, quando a gente fala de sociedade e de governo, significa mudar a ideologia, a visão de mundo, a cultura política e a classe social que governa. Significa mudar o foco hegemônico, mesmo que não haja hegemonia consolidada. O Brasil, ao contrário do que dizem as ressacas da elite que há doze anos não governa o país, e ficará pelo menos os próximos quatro anos, não está dividido. Está decidido a continuar mudando, mas mudando para melhor. Tentou-se de todas as formas dizer nestas eleições que mudar, por si só, é uma coisa boa. Mas o povo, sobretudo a parte que está sendo beneficiada pelas mudanças dos últimos doze anos, aquela maioria para quem jamais houve mudança para melhor, não caiu na armadilha.

Nós começamos estas eleições vencendo a morte! Uma fatalidade ainda não explicada suficientemente, e que parece não ter despertado preocupações maiores nas estruturas de poder, a grande mídia e seus braços políticos, os partidos da ala da direita, não perderam tempo com a morte de Eduardo Campos. Antes ganharam e souberam capitalizar o fato. É típico da direita “faturar” com as tragédias. Ali começou, ou se fortaleceu o estado de demência planejada. O submundo da “imprensa” e da política que tem um lado e serve a ele com abnegação, tentou através de sua redação apócrifa relacionar o fato ao PT. Eduardo Campos significava algo raro e de difícil alcance. O surgimento de um líder. Ele era um líder conciliador. Ele era a primeira liderança de perfil de centro-esquerda e de verdade, surgida no pós-Lula. Vindo da escola lulista e claramente se preparava para ser alternativa viável para 2018, o que atiçou os hormônios da mesquinhez direitista que, mesmo vendo nele possibilidades de aproximação, jamais se contenta em simplesmente ganhar. Quer ganhar sempre tudo! Foi assim que usaram Marina como um “brinquedinho” de enganar gente. Fizeram-na herdeira do patrimônio político de Campos, enquanto lhes convinha. Depois que ela não era mais útil, o segundo turno, até então, se não improvável, ameaçado, agora parecia certo, largaram-na à própria sorte. A vaidade e o sentimento de vingança que a move fizeram dela presa fácil.

O problema da grande mídia brasileira, que é o maior obstáculo ao desenvolvimento deste país, é que ela chegou ao fundo do poço e continuou cavando. Os métodos antidemocráticos foram usados como prática comum e ficaram muito exposto aos olhos do povo as suas intencionalidades. Às vezes, especialmente em determinadas emissoras de televisão, ficava impossível a distinção entre o horário eleitoral gratuito do candidato de oposição e os telejornais. Conforme uma palavra de ordem já histórica dos Movimentos Sociais e este ano dito em horário nobre e em rede nacional, “O povo não é bobo!... (...)”.

As práticas de enganação já manjadas e que foram usadas e abusadas em 1989, com uma enxurrada de “artistas globais” interpretando o desejo do sistema que os mantém, não deu mais totalmente certo. Nós damos um show nos “artistas”, e a vida real se sobrepôs ao teatro. Pelo menos ao teatro de mentirinhas. Entretanto, quando a gente olha para o quadro todo, especialmente quando a gente se olha como homus sapiens sapiens, descobre que, nas eleições, a inteligência está perdendo para a burrice. Afinal, como é possível fazer de um momento extraordinariamente rico e enriquecedor, como tem sido o nosso processo eleitoral, em lugar de disseminar preconceitos, discriminações e ódio? Aqui no Sul do Brasil, onde eu moro e de onde escrevo este texto, especialmente Curitiba, a principal, às vezes a única proposta de campanha, era tirar o PT do governo. Este foi o único tema de muitas campanhas proporcionais. E foi também a principal proposta de governo dos dois principais candidatos da oposição. A avalanche de ódio descendo ladeira abaixo e arrastando nossa frágil democracia, demonstra o quanto os “de cima” não suportam que “os debaixo” para trazer presente um conceito do jornalista italiano, Antonio Gramsci tenham oportunidade de viver. O grande “crime” do PT, para quem tem feito mais oposição ao país do que ao governo, na verdade, foi este. O de tornar possível que as grandes maiorias excluídas, não só do Nordeste, mas de todo o Brasil, acessassem os direitos animais, a casa e a comida, como dizia o sociólogo da fome, o pernambucano Josué de Castro. Por mais que tenha havido desvio, por mais que tenham acontecido ações reprováveis nos partidos que governam com o PT, incluindo-o, e é certo que ocorreram erros, não é possível comparar com qualquer outro período da nossa história. A diferença foi a transparência e a vontade de investigar e de punir. O medo da oposição é de seu próprio passado. Afinal, como diz Moacy Gadotti, “O passado não é um lugar aonde tudo está irremediavelmente perdido, mas tudo está irremediavelmente guardado”. Por isso sua obsessão pelo futuro e sua alergia para com o passado. Mesmo um passado tão presente, pois há apenas quinze anos atrás e ainda nem nos libertamos de suas terríveis consequências. Através de seu braço ideológico nada republicano, a mídia, eles alardeiam um cisco no olho do governo federal e são incapazes de ver uma manada de búfalos em alguns governos estaduais que são seus cúmplices e seus aliados. Sobretudo e de forma especial, a postura, tanto do presidente Lula quanto da presidenta Dilma, na apuração indistinta dos fatos, também não encontra paridade em nossa história. Aonde houve denúncia foi apurada e aonde foram encontradas provas houve a punição.

A direita, que, quando no governo é perversa com os pobres, generosa com os ricos e culturalmente corrupta, na oposição é arrogante e desleal. Banca o discurso da inteligência, qualidade que não consegue atribuir aos pobres, nem ver em seus adversários. Afinal isto exige grandeza. E se esquece que inteligência sem compaixão, sem amor, levou este país à ditadura militar e à morte de milhares de pessoas, à recessão econômica, a miséria, à dependência colonialista moderna e à privataria sem critério. Nós damos também uma goleada nos craques que enchem de orgulho o país enquanto estão nos gramados e o envergonham politicamente depois, apoiando projetos reacionários, geradores de morte. Verdadeiros, “bolas murchas” na consciência política e no compromisso com a construção do país e da democracia. Difícil imaginá-los ingênuos e alienados resta-nos ver como a opção política mesmo que fazem, o que é até legitimo, ou a má fé. É impressionante a forma das linguagens subliminares da mídia em favor de seus patrocinadores. No último debate do segundo turno, em rede nacional, o mediador tucanadamente imparcial anunciou por duas vezes que cada candidato teve o direito de trazer quarenta e cinco convidados. Não poderia ser quarenta e quatro? Ou quarenta e seis?

É impressionante assistir ao jornal oficial na véspera das eleições. É uma edição editada e aqui não cabe redundância. Edita-se o jornal, o último dia de campanha e o debate do dia anterior. Dilma, a candidata à reeleição, aparece boa parte do tempo fazendo bocejos para a garganta, uma vez que estava rouca. Já o candidato oficial, com seus olhos esbugalhados, é promovido a pai herói, a filho exemplar, a Dom Juan e a super-herói. São trinta minutos de dá náusea em qualquer estômago sadio.

Passadas as eleições, a vitória é do povo! Ninguém a conseguiu roubar. Acabaram-se as eleições, porém, a mesquinhez, o preconceito, a odiosa campanha de desqualificação do PT e do governo continuam. Tendo como abre alas o seu principal guru, agora a quarta derrota seguida tem um culpado. São os ignorantes do Nordeste! É impossível não agradecer a Deus pela graça e ver de que o povo nos livrou com o seu voto. O que se pode esperar de líderes capazes de tamanha irresponsabilidade? Bom, o governo vai governar e pelo que tem dito nossa presidenta, o recado que veio das urnas é claro. Precisamos mudar! A oposição continua em campanha e sem saber a diferença entre fazer campanha e oposição. Nenhuma surpresa. A maior fragilidade do Brasil nestes doze anos tem sido esta. Oposição transgênica e privatizada, já que é a imprensa quem a faz.

O candidato derrotado no segundo turno saiu sem dúvidas, fortalecido. Ninguém de seu partido, nem mesmo ele esperava ir tão longe. Porém, terá que mudar de vida, adquirir postura, saber ter educação e aprender coisas difíceis de serem aprendidas depois dos cinquenta anos. Sobretudo, para quem acha que já sabe tudo e que já está pronto. Terá que aprender a ter respeito, com seus adversários e com o povo brasileiro. Afinal, não se chama de leviana a ninguém, tampouco a uma senhora de sessenta e sete anos, que, além de elegante e educada, simbolicamente representa a nação, ao vivo e em rede nacional! Como eu ouvi diversas vezes por onde andei, de gente simples, inteligente e amorosa, que estava indignada! “O que dirá um senhor desses, com seus criados, em suas fazendas?”. Eu realmente não sei responder. Quanto ao PT terá que cumprir melhor a sua função de partido nestes próximos anos. Preparar melhor seus quadros dirigentes para que voltem a exercer a sua principal função, liderar. Voltar a dialogar com a sociedade, estudar mais, dispor de argumentos e de linguagem e principalmente humildade e coragem para defender o governo. Saber rebater as injúrias e as maldades que a oposição covardemente faz através da mídia, que, definitivamente, perdeu o juízo. Não tem mais jeito.

Depois do último crime da Revista da oposição nas vésperas das eleições, com calúnias e inverdades, sendo usadas como panfletos de campanha pelos desbocados cabos eleitorais do PSDB pelo Brasil a fora, conforme correu nas redes sociais. Resta-nos lembrar o psiquiatra austríaco Viktor Frankl, em sua obra, “Em busca do sentido” onde diz, “Por tanto, fiquemos alerta – alerta em duplo sentido: Desde Auschwitz nós sabemos do que o ser humano é capaz. E desde Hiroshima nós sabemos o que está em jogo”. Assim, parafraseando Viktor Frankl, achamos que ele não nos censuraria por isto, pois a falta de amor e a violência explícita, assim como a apelação e o deboche para com a democracia e o povo, não deixaram dúvidas. Assim digamos com Frankl, “Depois destas eleições nós sabemos do que a atual oposição em cumplicidade com a mídia é capaz de fazer para tentar ganhar uma eleição”.

Fica provado também que a principal diferença entre a genialidade e a bestialidade é que a primeira tem seus limites, mas a segunda os desconhece. A primeira atitude da chamada oposição após as eleições foi questionar o resultado e a segunda o desvario de, através de “grupinhos” ridículos tentar criar um clima de impeachment da presidenta eleita. Vai que pega! Não pegou, claro! Impossível prever de que serão capazes de fazer nos próximos quatro anos. Resta-nos a serenidade, a sobriedade e a maturidade do povo brasileiro. Apesar do terror praticado e da força de manipulação, eles destruíram muitas flores, mas não impediram a primavera. Graças ao povo sobrevivemos à vida. Fica uma pergunta que certamente, a estas alturas, não quer calar. E Marina? Bem, é sempre uma incógnita, mas ela se descaracterizou demais, cedeu e se adaptou as exigências e circunstâncias para não dizer às conveniências e fica difícil pensar em nova ascensão. A não ser que continue movida pelo pobre sentimento de vingança e desça ainda mais se propondo a ser apenas uma tubulação de baixa pressão para a descarga dos produtos tóxicos da elite que ela tentou comparar até com Chico Mendes. Difícil acreditar, mas seria pior fingir que não ouvimos suas pobres palavras. Veremos, contudo, todos os anunciadores da mudança, combatendo-a no congresso, a partir de Janeiro. Afinal, para eles, ser oposição é ser contra.

Curitiba, 07 de Novembro de 2014 - Sexta Feira de chuva.

João Santiago: É Teólogo, Poeta e Militante.
Mestre em Teologia e Especialista e Assessoria Bíblica.
É assessor das CEBs e do CEBI no Paraná e membro do
Grupo Base e Luta do PT em Curitiba.
É autor do Livro Gamela de Pedra, entre outros.
(41) 9865-7349 TIM e 8489-4530 OI
[email protected]