O Ritual do Lava-Pés, testemunho, exemplo e implicações

O RITUAL DO LAVA PÉS – MAIS QUE UMA RITUAL, É UM TESTEMUNHO E UM EXEMPLO – IMPLICAÇÕES NA CATEQUESE.  

(Jo 13, 1-20)


            Jesus viveu neste mundo e fez o bem em todas as coisas, (Mc 7,37) é o que nos diz sobre Ele os evangelhos. Ensinou a todos/as, e especialmente aprendeu com todos e de forma especial com os mais simples. Lá no meio do povo pobre, na sua simplicidade e na sua fé, que os doutores da lei só viam culpa e pecado, Ele via a presença e a preferência de Deus. Os sinais de seu Reino, cuja essência, trazia dentro de si. Ensinou-nos a chamar a Deus de Pai, de Paizinho, Abbá, (Mc 14,36), escandalizando com isto os líderes religiosos de seu tempo. Depois de tudo isto, vendo que ainda não estávamos prontos para servir, para seguir o seu projeto, deixou-nos o maior e mais exigente de todos os seus ensinamentos. O serviço. Servir aos irmãos como prova de amor e de segmento. Lição difícil de ser assimilada e gesto difícil de ser praticado, ao ponto de São Pedro se recusar a aceitar. Na sua humana vaidade Pedro pensou rápido! Se eu o deixo fazer isto comigo, terei que fazer também eu com os outros. Jesus mostra para Pedro e através dele para nós, que as consequências da recusa são mais perigosas do que a sua aceitação. Pedro recua humanamente e exagera na dose. Quer não só lavar os pés, mas tomar banho! (Jo 13, 9). Jesus, no entanto, deixa a lição. “Porque eu vos dei o exemplo, para que vós também façais como eu fiz” (Jo 13,15). Quem não é capaz de servir com gratuidade, não tem parte com Jesus. 

            Este serviço prestado com gratuidade, com humildade, simplicidade, e sem exibicionismos, com e por amor, identifica o/a discípulo/a de Jesus. A água lava os pés do/a irmão/ã, mas o gesto purifica as mãos e eleva a alma de quem o pratica. Esta lição, entendida a partir do exemplo de Jesus, não se aprende com discursos, nem com simples palavras de ordens. Tampouco na escola de Gamaliel. É a autoridade do testemunho e não a força das conveniências e dos interesses que vale. Ser grande é servir. Esta é a lógica do Reino. O maior é aquele que serve (Mt 18, 4). Jesus tinha plena consciência das exigências daquele ensinamento, ao dizer a Pedro, “Não compreendes o que faço agora. Tu compreenderás mais tarde”. Assim o/a catequista não deve ter a pretensão de entender tudo ou de querer que seus catequizandos entendam. Tem coisas que só o tempo é capaz de nos fazer entender. A fé, porém, prescinde de certezas.

                        Os evangelhos trazem a mensagem de Jesus, censuram os fariseus e suas práticas, pela infidelidade e falta de coerência, por dizerem uma coisa e fazerem outra. Pior ainda, por fazerem uma coisa e quererem que as outras pessoas façam outra. Aqui não vale, “o faça o que eu digo e não faça o que eu faço”. Adverte as lideranças e os membros da comunidade contra a tentação de praticar atos externos para serem aplaudidos, elogiados assumindo títulos para se envaidecerem. Vale lembrar que esta lição vale para todos/as na Igreja. Principalmente para quem exerce maior poder. O Padre, o Diácono, o/a Coordenador/a, o/a Catequista. “O maior dentre vós deve ser aquele que vos serve. Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado” (Mt 23,11-12). Essas palavras de Jesus vacinam a Igreja contra qualquer abuso de poder de suas lideranças que não priorizem o serviço aos irmãos. As tentações do poder, do querer ser o melhor e de ser prestigiado, estão presentes no mundo de hoje e em todas as situações. Basta lembrarmos que, como disse o próprio Jesus no diálogo com o jovem rico, “Só Deus é bom”, (Mc 10,18). Lavar os pés do irmão/ã, ainda não é ser bom, mas já é um reconhecer a bondade de Deus como caminho pedagógico e vontade de sermos bons também.

            Um desafio posto para a catequese e que atinge em cheio os/as catequista é que, mesmo vivendo numa sociedade em processo de democratização, com relativa experiência democrática, reconhecer que a Igreja não é uma instituição democrática. Isto trás consequências pedagógicas e exigências metodológicas, mas é preciso ter a capacidade de mostrar ao menos os sinais de democracia que acompanham a Igreja. O primeiro é que ela é chamada a ser sinal do Reino de Deus e este Reino é de justiça, de paz  e de Liberdade. É de amor e de igualdade. Este Reino é para todos/as e não para os mais espertos, nem para os mais fortes, tampouco para os mais poderosos. A preferência, ou melhor, a prioridade, é exatamente dos empobrecidos, dos enfraquecidos, dos deserdados da terra. O segundo é que o/a catequista precisa sentir-se Igreja, chamado/a e enviado/a pelo próprio Deus em missão, e isto implica em saber que a Igreja será o que você for capaz de ser. Se você serve ou busca ser servido/a assim será a Igreja. Se você se cala diante da arrogância dos alunos de Gamaliel, que estão por todo canto e quer ser como eles ser servido/a, a profecia se esconde. Mas se você, ao contrário, a exemplo de Jesus, confia e corre os riscos necessários, conhecerá a plenitude da promessa. A grandeza profética ou a pequenez de ideais do/a catequista, será a grandeza ou a pequenez da Igreja e seguirá com o/a catequizando/a. A Igreja é o Povo de Deus na Terra, diz-nos o Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática Lumen Gentium (Luz dos Povos) e este povo é sinônimo de esperança e esta esperança nasce e se alimenta na promessa que o próprio Deus nos fez. , “Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (Hb 8, 10).    

 

Todos me reconhecerão desde o mais pequeno ao maior, diz o Senhor (Jer 31, 31-34). Esta aliança instituiu-a Cristo o Novo Testamento no seu sangue (cfr. 1Cor. 11,25), chamando o seu povo de entre os judeus e os gentios, para formar um todo, não segundo a carne, mas no Espírito e tornar-se o Povo de Deus, (LG nº 9).

 

             O terceiro desafio-sinal é o de entender que a este Reino se chega através de Jesus. A Nova Aliança, agora feita em Jesus, se dá na relação pessoal com Deus. Pessoal aqui nada tem que ver com individualismo, personalismo egoísta, mas com individualidade. O Reino assim como a Comunidade é feito de vida comunitária, mas com individualidades respeitadas. O filho não pagará pelos erros do pai, (Ez. 18, 20), nem o pai pagará pelos erros do filho, ( Dt. 24,16).  Fica a dica, “Ai de vós escribas e fariseus hipócritas! Fechais o Reino dos céus aos homens! Porque vós mesmos não entrais, nem deixais entrar aqueles que quereriam!” (Mt 23 13). É bom lembrar que de forma alguma se trata de exclusão de alguém do Reino, antes acontece à auto exclusão.  Por se negar a servir, por se sentir melhor e mais importantes que os outros, estes se auto excluem da Comunidade e por consequência do Reino. E fora da Comum Unidade do amor-serviço, não pode haver salvação possível. Sem lavar os pés do outro, sem me ver nele, não posso purificar as minhas mãos nem iluminar o meu espírito. Poderíamos até parafrasear o Mestre Paulo Freire, penso que ele não iria achar ruim. Ninguém salva ninguém, ninguém se salva sozinho. Os homens e mulheres se salvam vivendo em Comunidade de irmãos, mediados pelo Amor Fraterno, um servindo ao outro e se suportando mutuamente.  A “teologia” do medo é a principal forma de afastar as pessoas de Deus. A catequese não pode mais usar do medo como metodologia de evangelização. Jesus nos mostrou com abundância o quanto Deus nos ama e nos quer perto dele. E a forma de nos aproximarmos mais de Deus é nos aproximando dos irmãos e das irmãs mais necessitadas, servindo-lhes com o nosso amor. A Liturgia dos lava pés nos deixa nos braços de Deus e nos faz plenamente seus filhos e suas filhas. É um gesto de adoração, de reverência à presença de Deus no rosto, nos pés e na presença do outro a quem servimos. O Concílio Vaticano II quis colocar a Igreja em relação com mundo moderno. Por isso trouxe ao Povo de Deus a incumbência transformá-lo. É o que vemos na Constituição Pastoral Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), nem contra o mundo, negando a realidade, tampouco acomodado a ele, mas inserido profeticamente na sua transformação.

 

Além disso, a Igreja católica aprecia grandemente a contribuição que as outras igrejas cristãs ou comunidades eclesiais têm dado e continuam a dar para a consecução do mesmo fim. E está também firmemente persuadida de que pode receber muita ajuda, de vários modos, do mundo, pelas qualidades e ação dos indivíduos e das sociedades, na preparação do Evangelho. Expõem-se, a seguir, alguns princípios gerais para promover convenientemente o intercâmbio e ajuda recíproca entre a Igreja e o mundo, nos domínios que são de algum modo comuns a ambos (GS nº. 40).

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            Aqui poderíamos dizer que surge um quarto desafio-sinal. O respeito, o reconhecimento e a disposição de olhar para os irmãos e irmãs de outras religiões sem preconceitos, e sem discriminações. O/a catequista é chamado a ser profeta e profetiza neste mundo e a partir desta Igreja. Somos chamados a ver este mundo e as coisas que o completam, os fatos, as situações as pessoas, com os olhos de Jesus. Isto significa que devemos ver, primeiro uma pessoa, um ser humano, depois é que veremos sua cor, sua raça, sua opção sexual ou religiosa, se homem ou mulher, se mais ou menos baixinho ou gordinho, enfim, a criação de Deus é plural e tem por marca a diversidade. A tentação de ficarmos na zona de conforto, anestesiados/as e sem enxergarmos os compromissos de nosso batismo, é grande e constante. Às vezes a própria Igreja faz o papel de Pedro com Jesus, querendo nos desviar do compromisso com a profecia e com a vida. Somente a Comunidade nos dará a força para, a exemplo de Jesus dizer, “Sai de minha frente, Satanás! Estás pondo obstáculo no meu caminho, porque os teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens!” (Mt 16, 23). Quantas vezes não nos deparamos com esta situação? O comodismo dos que se sentem maiores, atrofiando a profecia dos que querem servir. Decorre deste ponto uma necessidade que na verdade é um valor maior. Uma virtude evangélica. A humildade. E neste ponto, depois de Jesus de Nazaré, só João Batista, que soube exatamente o que Deus queria dele e soube a hora de entrar em cena e de deixar Deus agir. “É preciso que Ele cresça e eu seja diminuído” (Jo 3, 30). Sem esta dimensão profunda de evangelho, de Boa Nova, de Serviço, a catequese pode vir a ser apenas uma aula, se não uma aulinha.

Curitiba, 13 de Setembro de 2013 – Sexta Feira.

 

João Santiago. Teólogo Poeta e Militante.

Mestre em Teologia pela PUCPR.

Autor do livro,

“O Menino do Cariri – O Poeta do Brasil”.

Entre outros.

É assessor das CEBs-PR e do

CEBI-PR.      

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