VADA A BORDO, CAZZO[1]!
O ano de 2012 que se inicia tem tudo para ser muito agitado e o que não faltarão serão desafios. Ainda em Janeiro, de 24 a 29 acontecerá o Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Terá como tema: “Crise capitalista: justiça social e ambiental”, mas seu maior desafio será provar que é capaz de ir além de seu mantra eternizado, “Um outro mundo é possível”. Ainda prefiro o “Mantra” freireano que diz que, “Mudar é difícil, mas é possível”. Soa mais esperançoso e longe de ser uma mera expressão idealista, antes é realista e representa a prática de seu autor. Mudar é uma decisão pessoal. Toda e qualquer mudança externa carece de uma mudança interior para ter significado. Se for para virá slogan, digamos com o Italiano chefe da guarda costeira, Gregório de Falco, “Vada a Bordo, Cazzo!” Ta certo, eu sei que já se diz: “Um outro mundo é possível e necessário”. O professor Moacir Gadotti, foi muito além, inclusivo e plural ao dizer que: “Outros mundos são possíveis e necessários”. Mas ainda é pouco. É necessário saber o que há de novo na prática social que nos faça esperar este outro mundo possível, certamente necessário. Teoria sem prática é chá de bolinha de gude.
Qual é a agenda mínima que se constrói num evento tão significativamente representado e representante como este? Ela até existe, mas continua lá na agenda. Descansa em berço esplêndido numa “Zona de Conforto” onde quase tudo começa e termina em si mesmo. Só volta à pauta quando se começa a discutir o próximo fórum. É excessivamente centralizado e vem tudo tão pronto que às vezes parece comida fria esquentada. Esta é uma característica dos eventos atuais. Têm um fim em si mesmos. Existem enquanto duram. Não têm desdobramentos posteriores. Limitam-se aos participantes, que, via de regra, no máximo se encontram para ver juntos as fotografias. Não têm conseqüências. Como a mídia não divulga e quem vai nem sempre volta, fica restrito a quem foi. Temos batendo em nossas portas também a Campanha da Fraternidade de 2012, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O tema este ano é: “Fraternidade e Saúde Pública”. Estamos falando fraternamente do maior caos da sociedade brasileira. O lema é: “Que a Saúde se Difunda Sobre a Terra” (Eclo 38,8). Traz o conceito de saúde da Conferência Episcopal Latino Americana – CELAM - que a define como: “saúde é um processo harmonioso de bem estar físico, psíquico, social e espiritual”, (T. Base, p.15). Não dá para ficar olhando de longe o barco afundar ou a história passar. “Vada a Bordo, Cazzo!”
Neste ano de 2012 será impossível ignorar as eleições municipais. Votaremos em prefeitos (as) e vereadoras (es). Estou cada vez mais convencido ser este o grande desafio que temos pela frente. As prefeituras e sua cumplicidade nada republicana com as câmaras de vereadores são o principal ralo por onde escorrem as verbas públicas que faltam à saúde, e à educação, principalmente. A eleição de um presidente da câmara municipal de um município pode custar mais aos cofres públicos que a saúde e a educação juntas. Eleger gestoras (es) públicos dignos de respeito e que não fujam do posto e da responsabilidade quando o presidente da câmara ou o prefeito confundem seu posto com uma empresa familiar, é um desafio inadiável. É a hora de dizermos a todas (os) nós eleitores, “Vada a Bordo, Cazzo!”. A não ser que você esteja passando fome com os filhos – nesta situação eu não tenho argumentos – não venda seu voto. Você pensa que vende o voto, mas o canalha tem certeza que comprou você. E acha que pagou caro.
Quando as câmaras se tornam verdadeiros big brotheres, cometendo verdadeiros estupros com a cidadania e os direitos da população é preciso agir. Que tal inovar? Pergunte-se e pergunte para seus amigos quantas vezes o vereador ou vereadora em quem vocês votaram nas últimas eleições esteve na sua comunidade nos últimos quatro anos. Pergunte se ele votou contra ou a favor na CPI que queria punir o presidente da câmara que não foi correto com os recursos públicos. Olhe no seu bairro, como estão as filas na unidade de saúde às 05h00 da manhã? No que fica na Rua que eu moro, a Unidade Eucaliptos, no bairro do alto Boqueirão, em Curitiba, tem fila todas as madrugadas. Como estão as ruas, dá para trafegar nelas com um familiar recém-operado? Ainda tem rua no meio dos buracos? No bairro do Boqueirão em Curitiba ainda tem um restinho de Rua. Todas as crianças de sua comunidade têm vaga nas creches? Procure o Conselho Tutelar, a Pastoral da Criança de seu Município. Eles têm informações importantes sobre estes dados. Em quanto aumentou o patrimônio de seu vereador ou do deputado que o apóia nestas eleições, nestes últimos quatro anos? É possível passear confortavelmente com a família usando o transporte público?
Faça a conta simples e tire as conclusões. É mais barato ir ao centro em duas ou três pessoas, de carro ou de ônibus? Em Curitiba é mais barato ir de carro. Por que será? Dependendo de suas respostas é preciso ter a coragem cívica de dizer com indignação, “Vada a Bordo, Cazzo!”. Se não, não dá para re-eleger quem te faz de trouxa.
Estes dias encontrei uma amiga que trabalha na prefeitura de seu município e ela me disse: “É, seu Santiago, este ano tem eleição novamente!”. Eu disse, pois é, este é um ano muito especial. E ela com cara de prisão de ventre disse-me: “Difícil é ser obrigada a trabalhar na campanha de novo pra essa gente...”. Eu lhe disse: como assim, obrigada? “Ou agente faz campanha ou é demitida. No mínimo é transferida pra longe de casa e não compensa nem trabalhar. Isto quem é concursado. Quem não é concursada tem que se sujeitar”. Não lhe disse, mas pensei, - digo-lhe agora -, uma pessoa doente não pode cuidar bem da saúde de ninguém. A alienação política é um grave problema de saúde.
E não adianta dizer que não gosta de política, porque, como disse um sábio poeta alemão, você será governada por quem gosta. Pergunte-se também: o que você tem feito por sua comunidade? Pergunte a quem vier lhe pedir voto: o que você faz na comunidade? Pergunte também quantas vezes seu candidato mudou de partido. Não tenha vergonha de lhe perguntar: por quê? Pergunte-se, mas escute sua resposta com amor próprio. Qual é a diferença significativa entre o “candidato do bairro”, - você conhece este cacuete imoral? - E o traficante do bairro? Qual dos dois é mais maligno à sociedade? Na verdade a grande diferença é que um mata, o outro engana e financia. A Campanha da Fraternidade deste ano diz que, “A família, o Estado e a Igreja têm funções distintas e complementares no processo de tratamento de seus membros adoecidos”, (T Base, p. 18). Pergunte-se também quando estiver orando. O que sua Igreja faz politicamente pelo bem da sociedade? Qual é o compromisso político dela com a vida? Jesus, que jamais pecou, e só fez o bem, acusou os que não têm compromisso político com a vida de fazerem da Igreja “Uma caverna de bandidos” (Mt 21,13). Por que nós não podemos dizer: “Vada a Bordo, Cazzo!”.
Curitiba, 20 de Janeiro de 2011.
João Santiago. Teólogo, Poeta e militante.
Mestrando em Teologia pela PUCPR.
É autor do livro, “O Menino do Cariri – o
Poeta do Brasil”, entre outros.
[1] “Vada a bordo, Cazzo!”. Expressão em italiano, usada pela guarda costeira italiana com o comandante do navio Costa Concórdia. Significa: “VOLTA A BORDO”, volta ao navio. Cazzo pronuncia-se (Catzo) é uma expressão popular “gíria”, que em português se refere ao órgão sexual masculino, e que rima com baralho.