Carta aos Bispos - Conclusão do Seminário das Pastorais Sociais, de Juventude e Jufra 2015

(O texto a seguir está disponível para download clicando aqui)

‘Os desafios existem para serem superados’. [...] Não deixemos que nos roubem a força missionária’. Eles oferecem oportunidade para discernir as urgências da ação evangelizadora. Este é um tempo para responder missionariamente à mudança de época com o recomeçar a partir de Jesus Cristo, com ‘novo ardor, novos métodos e nova expressão’, e com ‘criatividade pastoral’. ‘O semeador quando vê surgir o joio no meio do trigo, não tem reações lastimosas ou alarmistas. Encontra o modo para fazer com que a Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova’” (CNBB, Doc. 102, DGAE 2015-2019, n°. 29).

 

São Paulo, 22 de novembro de 2015.

 

Estimados Bispos,

Paz e bem!

É com muita alegria que nós, das Pastorais Sociais, das Pastorais de Juventude e da Juventude Franciscana do Brasil escrevemos-lhes esta carta, para partilhar um pouco da caminhada feita em conjunto por estas pastorais e movimentos de nossa Igreja.

Desde o início do ano, estas pastorais têm se aproximado e dialogado na tentativa de se articularem para a defesa um bem comum: a vida dos/as jovens, principalmente os mais pobres e marginalizados, como decorrência da opção preferencial feita pela Igreja latinoamericana em Medellín (1968) e Puebla (1979).

A aproximação entre essas pastorais busca um olhar em conjunto para a defesa da vida da juventude, categoria demográfica mais criminalizada e exterminada na sociedade brasileira. A criminalização da juventude, as pautas conservadoras sociais, políticas e religiosas, e o genocídio da juventude negra, pobre, e periférica foram os principais temas abordados pelas pastorais, como urgências que demandam denúncias e anúncio de iniciativas em defesa da vida.

Segundo o Mapa da Violência 2014, o Brasil registrou 56.337 homicídios, atingindo a taxa de 29 assassinatos por 100 mil habitantes. Desse total, 30.072 foram pessoas jovens, o que faz a taxa de homicídios subir, tratando-se exclusivamente da população juvenil, para 57,6/100 mil, tendo o pico na faixa entre 20 e 24 anos de idade (nesta idade, a taxa chega à 66,9/100 mil). De acordo com o Mapa da Violência 2015, do total de óbitos de jovens de 16 e 17 anos em 2013, 46% foram causados por homicídios.

Os números são ainda mais alarmantes quando se referem à situação da juventude negra: enquanto 6.823 jovens brancos foram assassinados em 2012, 23.160 jovens negros tiveram suas vidas tolhidas. Isso significa que a taxa de homicídios do primeiro grupo chegou à 29,9/100 mil, ao passo que no segundo atingiu 82,3/100 mil. Naquele ano, portanto, foram mais de 63 jovens negros assassinados por dia. Neste contexto, ainda, ganha relevo a altíssima letalidade da polícia brasileira, explícita nos números de mortes causadas em suas intervenções e maquiada pelos grotescos “autos de resistência”.

Evidencia-se o que tanto as Pastorais de Juventude, bem como inúmeros movimentos sociais, vêm gritando há anos: está em curso um verdadeiro genocídio da juventude brasileira, principalmente contra a juventude negra.

Nos dias 27 e 28 de junho e 19 e 20 de setembro de 2015, nos reunimos em Brasília com o objetivo de nos aproximar mais da realidade e das demandas juvenis, em vista de construirmos um plano de ação conjunto entre as pastorais sociais e as pastorais de juventude.

Destas reuniões, nasceu o planejamento para o “Seminário Nacional de Articulação das pastorais sociais e de juventude: construindo redes de enfrentamento da criminalização e do genocídio da juventude”, que ocorreu entre os dias 30 de outubro e 1° de novembro deste ano, na cidade de São Paulo.

Neste seminário, entre momentos de oração e de estudo, refletimos a condição e a situação juvenil, a partir dos fenômenos de criminalização da juventude - destacando a redução da maioridade penal - e do genocídio da juventude negra, pobre e das periferias. Também, para ajudar a iluminar essa realidade, Thiago Valentim, da Comissão Pastoral da Terra, e Jardel Lopes, da Pastoral Operária, ajudaram-nos a refletir sobre o pastoreio (Ez 34, 1-4) e os lugares de primordiais da ação de Jesus.

Dentre as ações propostas para o coletivo de pastorais, observamos a necessidade de se desenvolver ações conjuntas, construindo redes de ações que venham superar as estruturas que atentam contra a vida.

A realidade que envolve a juventude no Brasil é marcada por situações que crucificam muitos jovens, condenados ao sofrimento e à perda precoce de sua vida. Os jovens pobres, negros e de periferia na sua maioria enfrentam na própria vida a experiência do Cristo chagado, cuspido, tombado, morto nas piores circunstâncias. No entanto, imaginamos que o Deus da caminhada, de Abraão, Isaac, Jacó, dos profetas e de Jesus de Nazaré, continua hoje caminhando conosco. Somos interpelados pelo Deus que “vê, escuta, desce e se coloca a caminho” com seu povo sofrido (Ex 3, 7-10). Deus se sensibiliza com o clamor do seu povo escravizado e chama Moisés como protagonista da sua libertação. O êxodo da escravidão do Egito constitui um novo paradigma para a ação pastoral. Somos interpelados a tomarmos atitudes pelos empobrecidos, a exemplo de Jesus, e assumirmos nossa missão em defesa da plenitude da vida. A opção preferencial pelos “estrangeiros, órfãos e viúvas” nos livros históricos (Dt 24, 17-18; Ex 23, 9; Is 10, 1-3), revela a opção de Deus pelos “pequenos e frágeis”.

Esta realidade atinge os mais pobres entre os pobres, e o seu enfrentamento e superação significam o processo de construção de novas e libertadoras estruturas e relações sócio-político-econômicas. Frente a isso, traçam-se os seguintes desafios, que se articulam e se complementam entre si:

Situações estruturais

Desafios

Violação de direitos e Criminalização de jovens mulheres e homens pobres, da classe trabalhadora e popular, das comunidades tradicionais, do campo e da cidade.

1) Enfrentar e superar a cultura punitivista, machista, patriarcal e homofóbica;

2) Enfrentar e superar a sociedade de classes pautadas na lógica do mercado e do consumismo;

3) Trabalhar a noção de que o Brasil é uma nação pluri-étnica, pluri-cultural e multi-racial, enfrentando o raciscmo, colonialismo e homogeneização;

4) Pautar uma efetiva democratização do sistema de justiça (MP, DF, judiciário), mas, principalmente, criar e propor formas horizontais e populares de formulação e resolução dos conflitos sociais, fugindo à judicialização desses conflitos;

5) Disputar o conceito e reafirmar a defesa dos direitos humanos;

6) Combater os discursos hegemônicos e construir uma nova visão de mundo; produzir “contra informação” e formação;

7) Denunciar, enfrentar e superar o modelo do agronegócio e hidronegócio, e disputar politicamente o modelo de agricultura camponesa e agroecológica a partir da soberania alimentar;

8) Intensificar a luta por reforma agrária, demarcação e titulação de territórios dos povos e comunidades tradicionais;

9) Lutar contra o fechamento das escolas do campo e lutar por uma educação contextualizada no e do  campo e o acesso a políticas publicas;

10) Superar a divisão sexual do trabalho e a concepção heteronormativa da sociedade;

11) Denunciar o modelo econômico de exploração capitalista, e fortalecer as experiências de Economia Popular Solidária como contraponto ao modelo tecnocrático;

12) Discutir o uso das drogas licitas e ilícitas;

Pautas conservadoras que alienam, (de)formam, criam mentalidades e influenciam as práticas da juventude cristã.

1) Identificar, desmascarar e denunciar as pautas conservadoras de nossa Sociedade e das Igrejas; e reafirmar a laicidade do Estado;

2) Formar lideranças jovens populares;

3) Formar comunicadores/as para difundir as pautas populares e libertadoras;

4) Criar meios e instrumentos alternativos e populares de comunicação, sempre como o protagonismo do povo;

5) Reformar os conceitos: construir e desconstruir;

6) Recuperar a imagem de Deus misericordioso, libertador e que vai ao encontro; que se concretiza em uma Igreja comprometida com os últimos da sociedade;

7) Fortalecer as organizações juvenis dentro da Igreja, especialmente as pastorais da juventude;

8) Superar o preconceito geracional e promover o dialogo inter-geracional;

Genocídio da juventude pobre, negra e periférica promovido, essencialmente, pela ação policial, pela precarização do trabalho, pelo encarceramento e pelo racismo.

1) Lutar pela desmilitarização da polícia e da política, e pelo fim dos autos de resistência;

2) Lutar pela ampliação de políticas públicas de acesso e permanência no ensino público, gratuito, universal e de qualidade, seja na educação básica seja no ensino superior;

3) Lutar pela dignidade no mundo do trabalho, de mulheres e homens, do campo e da cidade, respeitando a idade mínima e condições de trabalho;

4) Lutar por uma política de desencarceramento e contra a privatização de presídios, e defender uma sociedade sem cárceres;

5) Defender ações afirmativas e a efetivação de leis que combatam o racismo;

6) Enfrentar o racismo institucional;

7) Fortalecer as organizações que pautam novas estruturas de relação entre homens e mulheres; e defender as representações paritárias;

8) Fortalecer as entidades e organizações que atuam no combate as desigualdades raciais;

9) Superar todas as formas de violência, ódio e intolerância;

10) Denunciar o encarceramento, o extermínio e as violências sofridas pela juventude sob o  argumento do comercio  e da criminalização do uso de drogas;

11) Combater o trafico humano;

 

As conclusões deste seminário irão fortalecer as lutas de cada pastoral, contempladas nos desafios apontados. Pretende-se criar uma plataforma de comunicação (por e-mail, cartas, debates online), que fortaleça a criação de uma rede de luta contra a criminalização e o genocídio da juventude.

Para tanto, este movimento, que parte da Igreja para a sociedade, necessita contar com o apoio de seus pastores, com o intuito de inserir e incentivar a discussão de tais pautas e ações já existentes no âmbito eclesial, afinal, “deriva de nossa fé em Cristo, que Se fez pobre e sempre Se aproximou dos mais pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade” (EG, 186).

Estimando encontrar-lhes bem, encaminhamos esta carta para apresentar-lhes os primeiros resultados destas articulações que nascem para serem “instrumentos de Deus a serviço da libertação e promoção dos pobres” (EG, 187), e pedir-lhes, desde logo, fundamental e integral apoio para o desenvolvimento das campanhas e ações que delas nascerão.

Despedimo-nos fraternalmente, em Cristo Jesus.

 

Pastorais Sociais

Pastorais de Juventude (PJ, PJE, PJMP e PJR)

Juventude Franciscana do Brasil – JUFRA

 

 

Aos Excelentíssimos Reverendíssimos Bispos

Presidentes das Comissões Episcopais Pastorais

para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, Dom Guilherme Antônio Werlang

para a Juventude, Dom Vilsom Basso

para o Laicato, Dom Severino Clasen

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