Carta à Felicidade

João Santiago[1]

Caríssima companheira de poucos caminhos de e muitos momentos, hoje que inicio meu firme propósito de aprender a envelhecer, te peço um pouquinho de tua juventude. Falavam-me de você quando eu era menino e eu te admirava demais! Queria te conhecer, imaginava os teus traços de mulher e sonhava namorando-te, até que um dia disseram - me que tu eras casada. Eu imaginava-te, com identidade indígena, mesmo que de pele branca, olhos grandes e brilhantes, sobrancelhas de traços fortes, semblante tímido e cabelos longos e lindos seios! Cheirosa como a sorte quando escolhe a gente! Sem deixar de desejar-te, nem de pensar em ti e querer-te cada vez mais, dividi os meus pensamentos entre ti e o teu marido. Perguntava-me: quem será este cara? Quem será este sortudo que se casou com a felicidade? Será que ele a ama? Será que ela o ama? Será que ele cuida bem dela? Será que a merece? O que deve ter um homem para merecer casar-se com a Felicidade? Daquele dia em diante, passei a ter mais vontade de conhecer o teu marido do que mesmo a você. Disseram-me que o nome dele era Amor, mas gostava de ser chamado de poeta.

Quando descobri que vocês dois moravam na minha casa e que eu não sabia, já era um pouco tarde, eu já nem morava mais lá e a minha vida de adulto já me ensinara a confundir-te com Obrigação e ao teu marido com Sacramento. Encontrei-te por diversas vezes durante a minha vida de adulto, abracei-te e fui por ti abraçado, outras tantas. Amamo-nos intensa e loucamente. Juntos, fruto do nosso Amor-Felicidade, tivemos, em sonho, uma Filha, Madu, o seu nome.

Só depois dos quarenta anos foi que pude encontrar-te e reconhecer-te. Agora, sim! Nós nos encontramos. Enamorei-me de ti e tu te enamoraste de mim e estava ali o encontro perfeito. Bastou este momento para que, todos os traços teus marcados na minha memória de menino, identificasse em ti, a minha Felicidade. Apesar de frequentar palácios e jardins, encontrei-te numa morada indígena, como eu imaginava. De ti recebi colo, olhar, escuta, atenção afeto e beijos, e uma vontade de viver e de crescer como jamais havia sentido. E assim, a partir daquela Oca, tu me destes Fortaleza, tu me destes um Norte, um novo sentido de viver e querer viver. As ondas do Mar nos encheram de Fortaleza e um Rio Branco de pura meninice escorreu no jardim da minha maturidade. Um Amazonas correu nas nossas veias e uma São Paulo cabia nos nossos corações. Tudo o que a minha infância e adolescência, por mais maravilhosas que tenham sido, não me ofereceram, você me trouxe no primeiro encontro.

Hoje, estou vendo-te se afastar de mim. Talvez porque eu não soube ou não pude me aproximar de você como deveria. Não tenha conseguido ficar próximo de ti como tu tanto quiseste. Assim, resta-me agradecer, primeiramente a ti, por querer encontrar-se comigo, e depois aos deuses e deusas que te deram a mim de presente. Foram eles e elas quem nos apresentaram, protegeram, nos guiaram, nesta estrada cheia de flores, perfumes, felicidade e agora de marcas e saudades. Eu só tinha que cuidar de ti, mas reconheço que falhei. Para se cuidar bem da Felicidade é preciso mais que merecer, mais que dedicação. É preciso exclusividade. Tempo integral. Renúncia total, proteção, e isto eu não te dei. Resta-me, portanto, agora, aprender a envelhecer. Comecei hoje esta aula e vou viver a minha vida que ainda restar com os mesmos propósitos que me fizeram ser teu. Manter-me digno de você e rezar para que você esteja sempre bem. A Felicidade precisa de uma casa, de um guardião, de abrigo seguro e eu não os tenho para te dar. ITA-FELICITÁ!!!

Felicidade, 25 de Abril de 2016 – dia triste levemente alegrado pela chuva à tardinha.


[1] João Santiago. Poeta e Amante da Felicidade, a quem não jurou, mas devotou eterno Amor.

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