Não se parece com nada do que eu acredito...

NÃO SE PARECE COM NADA DO QUE EU ACREDITO...

            Tenho sido “bombardeado” de perguntas, de questionamentos e de palpites sobre as “manifestações” que ocorreram nas Ruas das principais cidades brasileiras nos últimos dias. Não costumo aceitar, tampouco dar respostas prontas e rápidas como tenho ouvido e lido aqui e acolá, sobretudo, em situações como esta. De qualquer forma, guardadas as devidas ressalvas, é preciso aprender novas lições deste novo momento histórico, se não paradoxal, pelo menos cheio de paradoxos. Um destes paradoxos é que tem muita gente que vive em outro planeta, mas que insiste em manter o domicílio eleitoral no planeta terra. E nestas horas surgem como alienígenas querendo salvar o planeta azul, ou como filósofo de gabinete chamando vandalismo de simples manifestação. Tem até quem chame baderneiro de revolucionário. Alias, interagi com muitos dos que me indagaram sobre as “manifestações”, logo no início delas, com uma pergunta. Será que já começou a Camapanha Eleitoral do ano que vem? Para mim, agora com a fumaça literalmente baixando, com o cessar fogo da quebradeira e a nossa democracia dando sinais de resistência, é hora de refletir.

            Gostaria de começar refletindo com objetividade. Primeiro sejamos francos e honestos, sobretudo com nós mesmos. Motivos para ir para a Rua, protestar, mesmo este país vivendo o melhor momento de sua história, nestes dez anos de governo do PT, não faltam. Alias, pode advir justamente deste fato, tais “manifestações”, que ainda carecem de aspas. Basta, como é o meu caso, mesmo morando numa das capitais aonde o Sistema de Transporte Coletivo é tido como “modelo” você andar de ônibus todos os dias para ir e vir ao trabalho. Para ir vir à escola, à universidade, enfim, seja um passageiro urbano. Basta chegar à conclusão, mesmo sabendo que as condições de transporte são desumanas, que ir do bairro ao centro de carro, em duas pessoas, é mais barato que ir de ônibus. Em 1989, naquele memorável ano, durante os debates da campanha, o Presidente Lula disse uma frase que me acompanha como um mantra. Disse ele, mais ou menos assim, “Quando um povo passa fome, tudo o que ele quer é comida, mas quando este povo enche a barriga, ele quer outras coisas”. Não estará este bom povo brasileiro querendo, “outras coisas?”, me pergunto eu.

            Em segundo lugar, como educador popular, militante forjado no meio deste povo que hoje está com a barriga cheia, que continua sendo este povo e não tem nenhum constrangimento com isto, pelo contrário, sou grato a ele, tenho a impressão clara que não é isto o que este povo quer. Quem faz o que está fazendo, não pode nem dizer que o faz em nome do povo, tampouco por ele ou com ele. Porque o método é abominável e a forma é suicida. Tem vida tão curta quanto seus interesses. O que está em cheque entre outras variáveis, é o conceito de liderança de nosso tempo. Na verdade, o vazio de liderança. A falta de entendimento dos novos processos organizativos, na época do face book e do twitter, o apagão histórico em torno dos últimos quarenta anos de nossa história, gerou um vácuo utópico e deserdou a nova geração de referencias. Afinal de contas, citemos pelo menos duas lideranças que sejam referências hoje regionais ou nacionais, na política, na religião e na cultura? Onde estão as bandeiras? O que pode ter revolucionário numa “manifestação” que queima a bandeira do MST? Dizem que o gigante acordou! Acorda e verás que não é bem assim.

            Em terceiro lugar, as gestões e os gestores nos Estados e Municípios, são, em grande parte, na sua grande maioria, uma aberração. Do ponto de vista ético, moral e político. A promiscuidade nestes governos com os poderes legislativos e judiciários é de causar indignação e nojo. As condições de transporte, já citadas, mas também as condições do atendimento da saúde e da educação para as grandes maiorias, responsabilidades destes governos, são um crime contra à humanidade. O problema é tão grave, que tem gente chamando este quebra-quebra de oportunidade única. Oportunismo ou desinteligência? Não dá para esperar o fim dos privilégios vindo de quem os possui. Nossos movimentos são apenas aquilo que são e não aquilo que a gente gostaria que eles fossem. É mais fácil ler e ouvir de alguém orgulhoso do tempo que está no governo do que daquilo que realmente fez e contribuiu para melhorar as condições de vida das populações. Daquilo que propôs para criar novos referenciais para política pública. O pecado original é aquilo que o Frei Betto genialmente chama de Mosca Azul, parafraseando o genial Machado de Assis. É difícil saber de alguém que pediu para sair do governo, da mesma forma que é fácil encontrar alguém que elege como utopia e causa de luta, permanecer nele. Pouco importando muitas vezes o que faça. Importante é manter-se lá, garantir a “boquinha”. Como se diz por aí. Negociam-se tudo e qualquer coisa, desde que não mexa comigo. Faz-se da vida uma ficção para que a luta resuma-se a um truque.  

            Três coisas, no entanto, me arrisco a tirar desta reflexão duplamente indignada. Se não como conclusão, pelo menos como hipótese. Primeiro por saber o quanto este país poderia ser um lugar bom, pátria amada para todos, e continua ainda uma maquina de exclusão. Segundo por ver as forças mais reacionárias, políticas e religiosas, que a gente queria que tivessem guardadas no passado ressurgirem tão bem maquiadas, usando os mesmos métodos e causando os mesmos danos. A primeira coisa é que, mesmo por caminhos tortos, estas “manifestações” nos fizeram lembrar o poder do povo nas Ruas; a segunda coisa, decorrente da primeira, é uma antiga verdade que voltou às memórias. Como o poder constituído, seja ele qual for, tem medo do povo nas Ruas; a terceira é que isto não se parece com nada do que eu acredito. Quem quiser continuar achando que quebrar o patrimônio público, independente das razões que se tenha ou se alegue tê-las, é sinal de esperança, de consciência, de profecia e de indignação, continue acreditando, mas deverá ser tratado igualmente como vândalo. Pelo  menos a partir do conceito de indignação que aprendi da pedagogia de Paulo Freire. Pelo menos do conceito de profecia que aprendi nas Comunidades Eclesiais de Base. Sou militante há trinta anos e jamais andei com vândalo ou pratiquei vandalismo. Não posso acreditar que este seja alternativa para nada. Outra verdade que vem à tona é que na política não existe vácuo.  

Quando as lideranças que protagonizaram a abertura política, a construir a democracia neste país, abandonaram as trincheiras da luta popular e foram fazer outras coisas, deixaram um vazio que alguém tinha que preenchê-lo. Sem contar que a maioria delas ficou pelo menos dois anos incapaz de entender as exigências históricas do governo Lula que começava. Recuou de seu excesso de certezas, trazido pelo povo pobre que começava a encher a barriga. Quando vieram entender o que estava em jogo já era quase tarde. Esta reação de quem perdeu o poder, mesmo que continue mandando, não é tardia. Ou é tão tardia quanto revolucionária. É hora de refletir, mas esta reflexão nos exigirá a capacidade de ouvir. Ouvir com atenção profética a voz dos tempos. Só falta agora ouvir ou ler em algum lugar, nos próximos dias, que depois da tempestade vem a bonança.  

 Curitiba, 27 de Junho de 2013.

João Santiago.Teólogo Poeta e Militante.  Mestre em Teologia.[email protected]