Política, Profecia e as Eleições

POLÍTICA, PROFECIA E AS ELEIÇÕES

                A última semana passada foi cheia de lices. Característica comum e freqüente em tempos de eleições. No entanto, é preciso ter ouvidos atentos, reflexo em dia e coragem para enfrentar uma situação tão repleta de contradições. E tudo isso deve nos levar a arregaçar as mangas e acionarmos amorosamente as mãos e agirmos. Correr os riscos do ser profeta/profetiza. Vivemos uma época vazia de profetismo. E justamente quando precisamos por demais da profecia. Desconfio que a democracia seja parenta bem próxima da profecia, mas receio que não tenham uma boa convivência. A profecia tem o hábito de prosperar em regimes autoritários. E a democracia, por sua vez, costuma relativizar a profecia. Quando não a faz sucumbir.

                Na quinta feira, no meio da correria, característica também comum em períodos eleitorais, encontro uma amiga que me entrega um jornalzinho. Pelo olhar dela, julguei que fosse alguma notícia de morte. Era um jornal de campanha, esfumaçado, com cheiro de sangue queimado, de um candidato a vereador, acusado de corrupção, na câmara de vereadores de Curitiba. Estampava na capa a foto de um presbítero católico, servindo a outros deuses que não Javé, o Deus dos pobres. O Deus que ver e ouve, (Ex 3,7-8). O sorriso da foto, desbotado pela consciência parecia dizer não se tratar de alienação. Tampouco de inocência. O colarinho clerical, as vestes que o identificam, e a assinatura precedida do título de “Padre”, termo substituído por presbítero a partir do Concílio Vaticano II, diziam se tratar de uma ação da Igreja. Pareciam mais a autenticação de um recibo. Triste de ver. Fiquei indignado e ainda estou. Trata-se de grave e perigoso precedente. Numa concepção profética, prostituição (Is 23, 16-18; Os 9,1). As comunidades abraçam a luta profética por justiça, e, juntos com a CNBB, propomos e aprovamos as duas leis mais significativamente atuais e relevantes de combate à corrupção. Construímos um mutirão, colhendo assinaturas em todo o país, e aprovamos há quase treze anos a lei 9840/1999 de combate à corrupção eleitoral e depois fizemos o mesmo caminho, com quase um milhão e meio de assinaturas e aprovamos no Congresso Nacional a Lei 135/2010, conhecida como A Lei da Ficha Limpa. Para os Profetas da Bíblia, prostituição era, sobretudo, corromper a fé do povo (Os 6,10-11). Além de prostituir a fé do povo, quanta moeda terá custado este beijo na face do Mestre? Falta profecia. Resta-nos, contudo, as palavras de Jesus, sobre os que vendem a inocência alheia, (Mt 21,31). Lembrei-me do Frei Bartolomeu de Las Casas e suas proféticas perguntas geradoras, “Com que direito”? Com que justiça”? Com que autoridade”? (JOSAPHAT, 2000, p. 54).

                Viajo para Campo Mourão, a 460 quilômetros de Curitiba, para um encontro de estudo, avaliação e planejamento do Regional Sul das Comunidades Eclesiais de base no Paraná. Muita esperança profética neste encontro entre homens e mulheres, profetas e profetizas, que não vêem e não demonstram haver diferenças que não existem. Se Padre, Freira, Leigo (a), casado (a), enfim, somos todos (as) filhos (as) de Deus. Chamados (as) a profetizar. Somos e nos reconhecemos como irmãos e irmãs. Estamos como Igreja e com ela, a serviço da vida, e vida em abundância e para todos (Jo 10,10). Estamos a serviço do Reino de justiça e de liberdade. Reafirmamos em nossas reflexões o compromisso profético com a luta ao lado dos pobres e injustiçados. Contra quem faz injustiça. À luz do Concílio Vaticano II, das Conferências Episcopais Latino-Americanas. Somos a Igreja Povo de Deus dita na LUMEN GENTIUM, engajado na luta pela transformação do mundo como fala a GAUDIUM ET SPES.

                Domingo, vou à missa e vejo que temos ainda muito que fazer nas comemorações dos cinqüenta anos do Concílio Vaticano II. A Igreja repleta de fiéis, na missa das dezenove horas, grande parte composta por batizados (as) que dedicam parte significativa de suas vidas à Igreja. “Voluntariamente, trabalham de graça!”, disse o presbítero.  Vivem seu batismo com radicalidade. Tanta gente trabalhando e dando o melhor de si. No entanto, na comunhão, cantamos um canto que diz mais ou menos assim, “Senhor, em mim, nada presta, tudo em mim é ruim, restaura-me”. Será mesmo? O Padre faz uma homilia e define a mim e a todos da assembléia como leigos e leigas. “Quem não é Padre nem freira, ordenado (a) é leigo”, diz ele. Até aí tudo bem, mas continua ele “homenageando” os leigos. “Vocês são os leigos e leigas, aqueles que ajudam a Igreja, com alguns serviços”. Ora, pensei, quem é mesmo que ajuda quem? Quem é mesmo que ajuda e atrapalha quem, de vez em quando? Continuo penando também nisto.

                Alegro-me e alimento minha imorrível esperança, na humildade, na amorosidade e na ousadia de presbíteros que vivem cristamente sua missão. Cuidam com zelo do rebanho do qual fazem parte, se sentem parte, atualizam a mensagem de fé e não negociam a fé do povo para ganhar vantagens. Mesmo que seja para Igreja. Ouvem atentamente a voz de Deus, inclusive quando Deus lhes fala através deste povo. Ouvem atentamente a opinião e as palavras de um teólogo leigo, sem distinção. Estão abertos a aprender. Felizmente conheço vários com este perfil.  

Encontro, por fim, uma companheira de caminhada, que me fez um relato triste de um projeto de educação popular em que ambos fizemos parte. “Perdeu-se” me diz ela. Lembrei-me do sacerdote da foto. Respondi-lhe, mas pensando nele que no projeto, é, perdeu-se. “O projeto perdeu o sentido, está a serviço de caprichos, de grupinhos, não é mais de ideias nem de ideais coletivos, é um desperdício de recursos”, disse-me ela indignada. Perdeu o sentido profético, disse-lhe eu. Eu concordo com você. Educação e política quando perdem o sentido profético, viram comércio e tratam tudo, inclusive as pessoas, como mercadorias, coisas. A religião também, quando é tratada como comércio, as pessoas se tronam em mercadorias e a sua fé é resumida a uma falsa propaganda. A fé, nestes casos, é um método eficaz de conseguir vantagens.

Assim é a vida e assim é a realidade de nosso tempo. Meia dúzia de dois ou três destroem os sonhos de um povo. Não destroem a fé, mas às vezes a prostituem adulterando-a. E não é apenas na política partidária-eleitoral, disse eu a ela. Olhemos para o que ficou do projeto. Olhemos agora para nós e para quem mais ainda acredita nas palavras do mestre Paulo Freire que nos diz, “Mudar é difícil, mas é possível.” Acreditemos nisto e continuemos na luta. Nem tudo foi perdido. Ficam as lições, os aprendizados. Não nos esqueçamos nem tenhamos vergonha ou medo de dizer, em qualquer circunstância, que Javé é um Deus ciumento e não aceita outros deuses diante de sua face, (Ex 20,3). Por isso, para os profetas, morrer é perder a fé. Por isso, lembremos Frei Tito de Alencar, “É preferível morrer a não merecer está vivo, a perder a vida”. Como a minha amiga é Franciscana, disse-lhe, mais querendo acolhê-la junto com sua profética indignação, sem querer conformá-la, jamais, apenas consolá-la, se possível. A Igreja não tem uma missão, mas é a missão que tem uma Igreja. Sigamos com São Francisco, que disse aos seus companheiros, “Saiam para pregar a Palavra, e se for preciso, usem a palavra”. A palavra sem o testemunho de uma prática coerente é blá, blá, blá. A lição profética que carrego, fruto também do processo eleitoral, é que as pessoas, sejam elas presbíteros ou não, votam naquilo que crêem. Votam de acordo com a maturidade de sua fé. Consciente ou inconscientemente. 

Curitiba, 27 de Agosto de 2012.              

João Santiago. Teólogo, Poeta e Militante.

Mestre em Teologia pela PUCPR e Educado Popular.

É autor do livro “O Menino do Cariri – o Poeta do

Brasil, entre outros.

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