Um Profeta jamais morre, é promovido!

UM PROFETA JAMAIS MORRE, É PROMOVIDO!

Agradeço ao Deus da vida, o Deus de Abrão, de Isaac e de Jacó. O Deus de meus pais e de minha vida, pelos anos que pude conviver com Dom Ladislau Biernaski, nestes vinte anos que vivo em Curitiba. Filho de Almirante Tamandaré, município da Região Metropolitana de Curitiba, amante e defensor da terra, das comunidades e dos pobres. Um amante da justiça e profeta da vida. Ordenado Padre em Curitiba, no dia 06 de Julho de 1963 e Bispo em Roma, no dia 27 de Maio de 1979. Estive poucas vezes, é verdade, com Dom Ladislau, mas neste caso, pouco vale muito. Além de Bispo auxiliar na Arquidiocese de Curitiba de 1979 até o ano de 2006, quando foi eleito Bispo na Diocese caçula da província de Curitiba, em São José dos Pinhais, Dom Ladislau sempre foi um companheiro de caminhada das Comunidades Eclesiais de Base no Paraná – CEBs-Pr.

Dom Ladislau Biernaski sempre esteve presente nas lutas sociais do povo de Deus em Curitiba e no Paraná. Assumiu diversas Pastorais Sociais, se destacando com a ação sempre corajosa, na Comissão Pastoral da Terra – CPT – testemunha viva da profecia de Dom Ladislau e da luta do povo por Pão, Palavra e Projeto. Comemorou conquistas e sofreu derrotas junto com os trabalhadores e as trabalhadoras sem terra, sem teto, sem saúde e oprimidos pelas violentas ações de governos autoritários. Viu de perto as ações truculentas da polícia “cumprindo a lei” e negando a vida. Aliás, era o atual presidente da Comissão Pastoral da terra, mas militou nas também Pastorais carcerária, (1979) e do menor (1988). Foi ainda secretário da Conferência Nacional dos Bispos de Brasil – CNBB – (2007), sendo membro da presidência.

Lembro-me certa vez, na casa paroquial em São José dos Pinhais, ele me mostrando a horta. Seus olhos brilhavam e suas brancas veias pulsavam mais fortes, deixando seu rosto ainda mais avermelhado. A paixão com que afagava a terra e a deixava escorregar entre seus dedos era intensa e visível. Deu-me uma aula de agricultura e de Bíblia, pois, ao me mostrar sementes (grãos) de mostarda, recorria ao texto bíblico e falava-me de fé e do Reino de Deus. “De certo modo, temos aqui a significação do Reino de Deus, compreende?” disse-me ele referindo-se ao texto de (Lc 13, 18-21). Jamais esquecerei aquele olhar de pastor ao me falar daquelas coisas.

Certa vez organizávamos uma manifestação popular, não me lembro agora, se contra a ALCA ou se a favor do plebiscito da dívida externa. Como aconteceu em outras vezes, as “autoridades” de Curitiba não “liberaram” a Rua quinze e a “Boca Maldita” para nossa manifestação. Recorremos a Dom Ladislau, o informamos da situação e ele se comprometeu de caminhar conosco na manifestação. Promessa cumprida. Na hora marcada lá estava o Bispo profeta, a locomotiva das comunidades, o profeta da esperança, puxando a marcha popular que clamava por justiça. Quando o chefe da polícia chegou e pediu a autorização lhe foi dito que estava com Dom Ladislau. Ele saiu procurando-o, mas Dom Ladislau já havia saído e o ato de protesto já havia terminado.

Assisti ao seu discurso quando foi homenageado pela câmara de vereadores de Curitiba, com o título de cidadão curitibano. Repeti pelo Brasil todo, quando andava como assessor da Presidência da República, coordenando as atividades da Rede de Educação Cidadã – RECID- parte de seu discurso. Dizia ele dirigindo-se aos vereadores, mais ou menos assim: “Os senhores têm responsabilidades sobre esta cidade. Curitiba é uma capital agrícola. Muitos acham que não, mas é. Sobretudo, os senhores têm responsabilidade sobre a educação. Quando eu vejo uma escola em Curitiba, a imagem que me vem é a de um campo de concentração nazista”. E explicou. “Aqueles muros altos, aquela cerca elétrica. Quem está fora não ver quem está dentro e quem está dentro não ver quem está fora”. E concluiu com uma interrogação. “Que tipo de ser humano pode formar um lugar assim?”.  Fiquei marcado também por estas palavras.

Certa vez numa celebração da Santíssima Trindade, que as CEBs fazem todo ano, onde ele gostava de ir, olhando as mensagens, os cartazes e ornamentos que preparamos, parou diante de um cartaz de meu livro, olhou-o e quando eu ia passando ele me chamou e disse: “Poeta e Militante! Difícil, hem menino!”. Ontem, 13 de Fevereiro de 2012, aos 74 anos, Dom Ladislau viajou, atendendo mais um chamado de Deus, foi promovido para celebrar a vida em outra dimensão. Hoje, dia 14 de Fevereiro, ao vê-lo sendo velado na catedral de São José dos Pinhais, tanta gente entrando e saindo, rostos comovidos e com expressões de piedade, pensei. Feliz a geração que tem o privilégio de ter um profeta como Dom Ladislau Biernaski. Fiz-me ali algumas interrogações. Quanto tempo levará a Igreja de Roma para ter outro Papa tão humano como Paulo VI? Quanto tempo levará a Igreja Latino-Americana para ter outro Bispo como Dom Oscar Romero? Quanto tempo precisará a Igreja no Brasil, para ter outro Bispo como Dom Hélder Câmara? E quanto tempo levará o povo do Paraná para ter outro Bispo-profeta afetivamente fraterno como Dom Ladislau Biernaski? Como disseram Jelson Oliveira e Salete Bagolin, “A maior homenagem que pudemos fazer a Dom Ladislau, é continuar a sua luta por justiça e liberdade”. Agradecido, Deus, por nos dar Dom Ladislau estes anos.

Curitiba, 14 de Fevereiro de 2012.

João Santiago. Teólogo, Poeta e Militante.

Educador Popular das CEBs no Paraná.

Mestrando em Teologia pela PUCPR.

[email protected]

 

 
MORRE O BISPO DA REFORMA AGRÁRIA
 
Jelson Oliveira
 
Dom Ladislau Biernaski era desses homens apaixonados pela terra. Mãos calejadas e unhas turvas, seu grande orgulho era mostrar a horta que mantinha no quintal de sua residência simples na cidade na qual viveu por muitos anos e da qual foi bispo nos últimos cinco, São José dos Pinhais. Essa paixão pela terra, herdada da família de imigrantes poloneses, fez com que ele transformasse a terra também numa causa evangélica e política. Por ela frequentou acampamentos e assentamentos em nome da Igreja. Muitas vezes deixou mitras e cátedras e foi à praça do povo para celebrar esse compromisso profético com a justiça. À frente da Comissão Pastoral da Terra em nível estadual e nacional, e das demais pastorais sociais que acompanhou, Dom Ladislau foi um amigo e companheiro. Soube como ninguém entender e explicar a missão pastoral da Igreja dos pobres e por esta clarividência, participou de inúmeras mobilizações da luta dos pobres paranaenses no campo e na cidade.
 
Na missa de sua posse, em março de 2007, na nova Diocese, o bispo do povo declarou que é "no âmbito da justiça é que se louva a Deus". Foi essa certeza que o alimentou em tantos anos de vida e de sacerdócio. Foi ela que o fez recusar os sacrifícios inocentes ofertados a Deus com o sangue dos trabalhadores e trabalhadoras. Talvez por isso, sua comovente simplicidade não o tornou perfeito como homem, mas o fez buscar a justiça como norma. Carregou suas cruzes e sangrou suas próprias feridas. Em seus olhos inquietos e miúdos sempre pudemos encontrar aquela inquietude de um ser inacabado. Teve seus erros, seus dramas e suas noites insones, depois das quais, louvava a Deus com um farto café da manhã na mesa central de sua sala, para o qual muitas vezes contava com a companhia de amigos e companheiros de luta. Partilhou o pão, a paixão e os estorvos da luta.
 
Seu lugar era à mesa dos pobres, como esperança, e às tribunas dos poderes e das mídias, como advertência. Ouviu com paciência. Amou com radicalidade. Falou com admirável coragem das causas mais difíceis, cujas feridas ainda sangram na geografia da nação. Foi padrinho incansável da campanha pelo módulo máximo para a propriedade da terra no Brasil. Chorou a morte de tantos trabalhadores sem terra país afora. Denunciou o trabalho escravo. Rezou por suas viúvas e abençoou seus filhos. Acreditou incansavelmente na agroecologia, na produção sustentável, no respeito ambiental e no comércio justo. Defendeu a agricultura camponesa com o entusiasmo que trouxe do berço. Caminhou em romarias e marchas. Deu entrevistas. Falou do Evangelho com a cativante palavra da esperança e da vida com a evangélica força do testemunho.
 
Como tantos outros, Dom Ladislau morreu hoje sem que sua utopia se realizasse. Mas dizem que a melhor forma de homenagear uma vida que se foi é dar continuidade aos seus projetos. Essa é a forma como eu e você devemos lembrar este homem cujo testemunho é, de tão raro, inesquecível; e de tão simples, profético. Nossa teimosia será sempre uma forma de homenagem. Sua memória um compromisso com a vida.
 
Prof. Dr. Jelson Oliveira
Coordenador do Curso de Filosofia PUCPR
R. Imaculada Conceição, 1155 - CTCH - Curitiba/PR
 
 

Enviada: Segunda-feira, 13 de Fevereiro de 2012 16:08

Assunto: Foi para o Pai, o bispo da CPT D. Ladislau

Morreu o bispo da CPT, D. Ladislau.
Companheiro e amigo comprometido com a luta de longas jornadas, hoje retornou para a casa do Pai.
Breve estará no seio da Mãe Terra. Mãe que tanto ele amou e lutou para que ela fosse sempre livre de todos os males..
O velório será na Catedral de São José e o enterro provavelmente quarta, dia 15 de fevereiro.
Aqui nossos agradecimentos a Deus pelo tempo de dedicação a causa da justiça Social.
Pelo Regional da CPT PR
Todos Agentes e Coordenação