A Teologia das CEBs

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Teologia das CEBs: uma realidade visível ou uma necessidade premente?
Aprendizados e Lições do Oitavo Intereclesial das CEBs do Paraná.

Introdução

Um dos eventos mais significativos na história da Igreja Católica e na minha vida de fé certamente o mais significativo, são as Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs. Nascidas ou renascidas com o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) e batizadas na Conferência Episcopal de Medellín na Colômbia (1968), as CEBs têm um potencial profético jamais visto em outros jeitos de ser da Igreja. A própria ideia central do Papa João XXIII de refontização – volta às fontes – ao convocar o Concílio corrobora essa perspectiva. Nos leva a querer conhecer e ao conhecer encantar-se pela Igreja primitiva, o jeito de ser Igreja das primeiras comunidades cristãs. E isso começa pela dimensão histórica, desvelando dentro da história oficial, as lacunas deixadas. Podemos dizer, a partir das narrativas das CEBs, contando a história que não foi contatada ou como é mais comum, foi contada pelos opressores. No caso da Igreja Católica, significa dizer, contada pela hierarquia clerical.

A Igreja que caminha e que senta ao redor da mesa e partilha o pão, a Palavra e a vida

Assim sendo, a partir deste contexto, surgem as vozes silenciadas: (mulheres, negros, indígenas, jovens), os pobres. Por fim, aqueles que Paulo Freire deu voz e os nominou como oprimidos e deserdados da terra. Aqueles e aquelas Jesus de Nazaré chamou de ovelhas sem pastor. Aqueles e aquelas não ordenados e que formam a grande maioria de fiéis conhecidos como leigos e leigas. É neste sentido que as mulheres são vistas e têm o seu lugar reconhecido na história. Como é o caso da Rainha-Mãe-Ester, conforme diz Sandro Gallazzi. “A preocupação do autor de Ester não é contar uma história verdadeira, mas A VERDADE DA HISTÓRIA, uma verdade que possa ser vivida e feita por todos os crentes, de todos os tempos e lugares. Também por nós hoje”, (GALLAZZI, 1987, p. 13). E uma verdade pouco dita e pouco reconhecida e aceita, é que, a partir de uma visão atualizada e de uma linguagem contemporânea, Jesus viveu como um leigo. Além de não exercer nenhum cargo ou nenhuma função na hierarquia da religião judaica, a sua religião, teve tratamento muito semelhante ao que têm os leigos e as leigas de nosso tempo que ousam viver a fé com compaixão. De modo especial os leigos e as leigas que ousam viver a profecia com liberdade, correndo os riscos desta opção e ousando pensar com a própria cabeça e insistem em querer ver o mundo à luz da Palavra.

As CEBs são herdeiras de uma teologia profética, ousada, revolucionária e martirial. Uma prática teológico-pastoral de índole seminômade e de uma eclesiologia itinerante de difícil aceitação e reconhecimento pelas estruturas clericais hierarquizadas. Não por acaso frequentemente é associada à loucura e tem sua prática confundida com o puro ativismo político. Embora jamais tenha sido predominante na Igreja, tanto essa teologia como essa eclesiologia jamais deixaram de existir. As CEBs introduziram ou reintroduziram uma dimensão dialética de fé que soa como uma intromissão e ao mesmo tempo, uma linguagem inclusiva, sobretudo através da música, que liga o sagrado ao cômico. Ou, dito de outra forma, revela as ligações existentes entre eles. “A teologia de Judite, herdeira e continuadora da teologia profética, guardada com teimosia nas casas e nos corações do povo, sobretudo das mulheres, vai confirmar com segurança e ousadia: “eu hoje, vou fazer algo (...) o Senhor vai socorrer o seu povo pela minha mão” (8,32-33)”. (GALLAZZI & RIZZANTE, 2001, p. 15). A pergunta que se impõe é: onde anda a teimosia das CEBs hoje? Judite, por exemplo, como nos lembra Sandro Gallazzi, não perguntou nem aos chefes religiosos e nem aos governantes de Betúlia o que deveria fazer. Apenas comunicou-lhes: “(...) Farei uma ação que chegará aos filhos de nossa raça até gerações de gerações” (Jt 8,32). Quisera, as CEBs tivessem tamanha ousadia e voltassem às fontes e bebessem daquela Água de Vida Eterna de novo!

As CEBs revelaram muitas qualidades da fé cristã que só se pode revelar provocando rupturas e transgredindo regras centralizadoras. Derrubando os muros doutrinais de um sacramentalismo que separa o povo da Palavra. Como diz Peter Berger, “Essas rupturas são causadas, entre outras coisas, pela intrusão de outras realidades. O sagrado é uma dessas intromissões. O cômico é outra. Razão pela qual os santos e os loucos carregam, frequentemente, uma semelhança incômoda. (BERGER, 2017, p. 127). É o caminho que leva as CEBs à mesa da partilha.

Se pudéssemos fazer uma definição do jeito de ser Igreja das CEBs, comparando-a com a Igreja clerical, talvez pudéssemos dizer que trata-se de uma Igreja que preserva a dimensão cômica e sabe rir, onde o sagrado não se limita ao sacramentalismo. Permanecendo na esteira de Peter Berger que nos diz, “(...) Como afirmado anteriormente, o cômico invade e subverte as estruturas naturalizadas da vida social” (BERGER, 2017, p. 170), aqui, nas CEBs originalmente o cômico subverte as estruturas naturalizadas hierárquicas, dogmatizadas e as relações verticalizadas. As CEBs devem ser um sinal de esperança na superação da tentação da autorreferencialidade na Igreja. Um vento, um sopro que até entra pelos corredores, mas que sempre sai pelo outro lado, deixando renovados os ares por onde passar. Como o vento, devem ser sentidas, mais do que ser vistas. E isto exige uma Espiritualidade Profética e uma Teologia Pública que não precise de carimbos ou autorizações para existirem.

A metáfora continua sendo a melhor e a mais eficiente forma de comunicar as verdades da fé e de se dizer aquilo que é preciso ser dito e que frequentemente desagrada a alguém ou ao menos não agrada a muita gente. É preciso priorizar o caminho, que por sua vez, passa necessariamente pela montanha e se expressa plenamente nas casas, nas mesas e na partilha do pão e dos dons (Lc 24,13-35). A zona de conforto, por sua vez, tornou-se o sinônimo da Terra Prometida. Qual é a parede velha que as CEBs derrubam ou tentam derrubar? É possível de se ver isso na sua prática? Quais são as ferramentas (teologias e metodologias) que as CEBs utilizam nas suas construções? São ferramentas delas ou emprestadas, cedidas pelo templo? (Casa Grande) com um altar e uma sacristia como barreiras que dificultam a aproximação do povo da Palavra?  A tentação pelo poder, mesmo que aparente, pelo fato de se estar perto de quem o detém, frequentemente revela a diferença entre uma atitude profética e uma ação subordinada, a serviço das próprias vaidades invés de ser a serviço da libertação e das causas do Reino. Frente a metáfora memorizada por Sandro Gallazzi, a partir da visão profética do frei Carlos Mesters, o que propõem as CEBs hoje como construção e parede nova? Vejamos e reflitamos.

Como dizia durante um curso frei Calos Mesters, a memória da Páscoa derruba a velha parede da festa pagã e, depois, com os mesmos velhos tijolos, reconstrói uma parede nova. Esta nova parede transmitirá de geração em geração, a mais genuína fé do povo: a fé num Deus único, que governa a história, sendo fiel aos oprimidos e que salva. (GALLAZZI, 1987, p. 25).

O teólogo Sandro Gallazzi e o biblista Carlos Mesters parecem nos falar de casa de pobre, de construção de pobre, de realidades de pobres. São os pobres que, a partir de suas carências, mas sobretudo de sua inventividade, reconstroem todos os dias o novo a partir do velho. Sempre ressignificando, dando novo sentido e fazendo o milagre da preservação dos recursos e da vida no planeta. Sempre garantindo a continuidade da vida, embora na precariedade dos recursos. Quais são as diferenças visíveis das CEBs com relação às juventudes e até mesmo com as mulheres, quando comparamos suas práticas e suas escolhas e suas formas de decidir, de liderar, de coordenar, com a forma tradicional, vertical e monocrática do clero? É importante que reflitamos sobre as fontes que alimentam as reflexões e o agir das CEBs. Mas é igualmente importante refletir e ocupar-se em saber para quem as CEBs são fontes e a quem elas influenciam com a herança recebida. Precisamos saber qual é a Teologia que nos alimenta. Olhando-a sem a maquiagem dos discursos e analisando as estruturas do prédio que sustenta as CEBs dá-nos a impressão de uma repetição de um modelo arquitetônico. Às vezes a tinta da parede tem uma cor deferente. Outras vezes nem isso. Digamos de uma citação sem os devidos créditos. Quase um plágio do discurso e da Teologia Clerical. Até porque, ela é praticamente predominantemente oral.  

O paradoxo da visão crítica vindo da própria estrutura clerical e a ausência de um método participativo

As CEBs vivem diante da estrutura da Igreja, uma realidade similar à realidade da mulher na sociedade e na própria Igreja. Até pode participar do banquete, desde que cumprindo funções secundárias, exercendo tarefas e reproduzindo o modelo machista, hétero, branco, solteiro e clerical dominante. No mínimo, não o questionando. Até pode falar, propor, mas decidir, não pode. Quando tenta assumir a identidade profética que faz parte do seu DNA, e ousa pensar com a própria cabeça, aí é frequentemente taxada de partidária, ideológica entre outras sanidades que ainda funcionam como tentativa de desqualificação. Pode ajudar a construir e a limpar a tenda, mas participar do banquete, nem pensar! Neste sentido, as CEBs representam bem a situação do laicato na Igreja. Não têm um lugar de fala, nem a palavra, nem uma teologia, tampouco uma identidade e ainda não sentem falta deles, uma vez que convivem resignadamente não sendo. Apenas estando. Assim sendo, lembremos de uma realidade das comunidades paulinas, trazida pela CNBB e que os leigos e as leigas, tampouco as CEBs como organização do povo, ainda não entenderam.

A missão é sustentada especialmente por casais missionários: Priscila e Áquila (cf. Rm 16,3-5) colaboradores de Paulo; Andrônico e Júnia (cf. Rm 16,7), chamados de apóstolos notáveis. Eles são judeu-cristãos e auxiliam Paulo em sua missão. Priscila e Júnia revelam a presença misericordiosa das mulheres no primeiro século. Igualmente Evodia e Síntique (cf. Fl 4,2) trabalhavam para a expansão do Evangelho no mundo antigo. O carisma das mulheres é fundamental para entender a obra missionária das origens, por isso Paulo pôde sentenciar que diante do Evangelho todos têm a mesma dignidade: não há homem nem mulher (cf. Gl 3,28). (CNBB, doc. 100, nº 93).

É como se a CNBB estivesse dizendo: como pode vocês não veem estes exemplos? Não os veem ou não os entendem? Este é um desafio ainda não enfrentado pelas CEBs e nem pelas pastorais. E, vejamos: trata-se de uma questão de dignidade. E, conforme podemos constatar, dignidade é uma questão de consciência e de luta. Quando buscamos encontrar alguma atitude, algum projeto, ou ao menos alguma atividade que as CEBs fazem com autonomia e mesmo com liberdade, não é fácil apontar. E isto vale para as Pastorais que como digo no meu livro “Teologia Pastoral – A Arte do Seguimento e do Discipulado de Leigos e Leigas” e que precisamos discutir com ousadia, com maturidade e fraternidade. “A Teologia Pastoral que de fato se vive, é, na verdade, uma concessão da teologia clerical. Vive-se uma relação de subordinação e só pode fazer, grosso modo, aquilo que o clero diz, faça!”. (SANTIAGO, 2020, p.18). Fala-se do Método VER-JULGAR-AGIR, mas por não buscar-se a profundidade de seu conhecimento, aceita-se com excessiva obediência e passividade que o VER seja ver como o clero; que o JULGAR, seja à luz palavra e do pensamento do clero; que o AGIR seja um eterno repetir o que o clero faz. Sendo assim é “compreensivo” que a Palavra fique no banco de reservas, por vezes nem chegue até ele, e que a teologia nem faça falta. Afinal, para que cozinhar se tem comida pronta na esquina mais próxima?

O meu lugar de fala, como diz uma importante narrativa atual e que representa um lugar dos/as que não têm lugar; não têm palavra; não têm oportunidade e nem conhecimento reconhecido, é o lugar da mulher. Mas poderia ser das juventudes e em sentido mais amplo, dos leigos e das leigas. Naturalizou-se a condição do laicato como seres de segunda categoria. Tentemos imaginar alguém do laicato tomando decisões próprias, planejando com método próprio, sobretudo ações que envolvam gastos financeiros? E não há reação, nem mesmo uma percepção crítica dessa realidade. É assim, simplesmente porque sempre foi assim. As CEBs representam em certa medida as condições mais marcantes na identidade dessas duas mulheres incríveis, protagonistas nas narrativas bíblicas: Judite e Ester. Faltam-lhes, no entanto a ousadia profética, perdida ou esquecida em algum lugar do caminho. Ester, aliás, homenageada no tema do Oitavo Intereclesial, com o versículo sete do capítulo três, “O meu desejo é a vida do meu povo”. Uma iniciativa acertada, mas que repete a cômoda prática já naturalizada pelo laicato: usar citações bíblicas para justificar as ações e não para iluminá-las. Às vezes só para ornamentá-las mesmo. Ou como uma dinâmica.

Quando não existem investimentos suficientes e metodologia na formação, corre-se o risco cair no ativismo religioso. Senão, vejamos: quantos seminários as CEBs promoveram, ou ao menos propuseram, nas famílias, nas Paróquias, nas Dioceses e nos Regionais, para estudar a teologia de Ester? Ah, fomos limitados pela pandemia, poder-se ia argumentar. Quantos textos, então, ou outras formas de comunicar foram disponibilizados para iluminar os pensamentos e atualizar as práticas? Para comunicar às juventudes os testemunhos e os desafios? Se quisermos ser mais exigentes, como aliás, a situação exige, quantas atividades formativas e de estudo da teologia de Ester foram organizadas ou feitas com as juventudes – que aliás, atenderam ao chamado de forma muito firme -, uma vez que foram propostas como sujeito do Oitavo Intereclesial? Consequentemente poderíamos perguntar qual foi a contribuição das juventudes nas discussões temáticas e nas decisões do encontro?  

A situação chega a ser vexatória, quando somos forçados a constatar que, esta realidade de subserviência comodamente aceita pelo laicato, inclusive, ou, sobretudo, pelas CEBs e pelas Pastorais, é denunciada pelas instituições clericais. É, por vezes, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, outras vezes e muito frequentemente, mais recentemente o Papa Francisco quem nos alertam para a gravidade da situação.

É preciso perceber e vencer o clericalismo em relação à situação dos leigos nas comunidades, como alerta o Papa Francisco: “O pároco clericaliza, o leigo que lhe pede, por favor, que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade em parte do laicato da América Latina. (CNBB, doc. 100, nº 213).

Vejamos o que diz a CNBB: o laicato - e não vejo nenhuma razão para excluir desta relação as CEBs e as Pastorais -, sequer, percebeu ainda a realidade denunciada pela estrutura eclesial. Fica uma questão que precisa fazer parte das discussões, da organização e da execução dos intereclesiais e de modo especial dos seus encaminhamentos: um intereclesial não pode ser apenas um evento bonito, celebrativo e que legitima o laicato como construtor de tendas para o clero, com a ilusão de poder passar a chuva ou proteger-se do sol em baixo da soleira. É preciso ter coragem de mexer na ferida da centralização clerical e da dependência do laicato com relação a este. “Para si mesma Ester pede, antes de mais nada, coragem: este é o primeiro e vai ser o último pedido de Ester (...)” (GALLAZZI, 1987, p.157). Às CEBs, precisam ter coragem para fazer os encaminhamentos necessários do Oitavo Intereclesial e depois continuar exigindo que os mesmos sejam postos em prática. Isso inclui, por exemplo, a exigência de investimentos na formação bíblico-teológica do laicato. Os Intereclesiais têm muita importância. Isso é inegável! Mas apesar de todas as possibilidades levantadas e esperanças sonhadas e não são poucas, os Intereclesiais passam e se tornam passado praticamente sem registro de memória.

A preocupação imediata logo após o encerramento de um Intereclesial passa a ser o próximo e a relação entre um e outro, assim como a sua memória, é praticamente inexistente. E cada vez mais explicita-se o evento de um Encontro Intereclesial, seja regional ou nacional, como um evento clerical. Em certa medida, na prática, eles têm levado mais o povo para os interiores dos templos, do que despertado para importância e para a urgência de uma Igreja em Saída. Sair neste caso, não é apenas mudar os lugares das reuniões, mas sair das práticas verticalizadas e hierarquizadas, que legitimam uma relação em que o clero pensa, decide e manda e o laicato obedece e exerce tarefas.

A grande contradição das CEBs consiste exatamente nisso: repetir frases sobre o Concílio Vaticano II e às Conferências Episcopais; propagar a narrativa de uma Igreja em saída; alardear a todos os ventos as profecias do Papa Francisco e arrebanhar cada vez mais o povo para dentro dos templos. Como evento oficial e de grande poder midiático, os Intereclesiais aconteceriam normalmente como um evento clerical, mas hoje não existe a menor possibilidade de acontecer sem o clero ou mesmo sem seu consentimento. A realidade que parece constranger até as instituições oficiais, sequer incomoda o laicato que se sente mais incomodado com as raras críticas quando elas acontecem.

Carente de profecia, perdendo espaços, sobretudo nas juventudes e vendo a falta de razão da fé, é recorrente nos Documentos da Igreja, mensagens (recados?) como este, “A Igreja, feita em sua maioria de leigos, ainda vive essa realidade devido ao clericalismo que persiste e também devido à falta de consciência do próprio laicato”. (CNBB, ESTUDOS, doc. 107, nº 12). Falta, contudo, à Igreja o mínimo de investimento na formação do laicato. Parece prevalecer no clero, sobretudo a partir das paróquias, um certo contentamento com o comodismo do laicato. Olhemos para as juventudes, a partir de nossas famílias, nossos filhos, netos e sobrinhos. Quantos deles mantém uma prática religiosa de participação eclesial, mesmo que o simples ir às missas? Temos aí uma prévia do que será a Igreja no futuro próximo. Depois de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, o Verbo de Deus e do Evangelho da vida que testemunha o amor misericordioso de Deus, nossa fonte é o Concílio Ecumênico Vaticano II. E a Constituição Pastoral Gaudium et Spes nos trás no proêmio esta diretriz teológica-pastoral.

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do Reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação a para comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história. (GS nº 1).

Concluindo esta reflexão, mas ciente de que apenas introduzimos um assunto vital para a Igreja para as CEBs e para as Pastorais e que deve ser estudado, aprofundado e conhecido à exaustão, reiteramos a necessidade de uma Teologia Laica. Hoje, com todas as descobertas arqueológicas; com o surgimento de novas hermenêuticas; com as transformações profundas e constantes por que passa a sociedade é essencial que as CEBs atualizem o seu agir, a partir de um novo paradigma relacional de Igreja que ao menos não ignore o acontecimento do Concílio Vaticano II e seu rico acervo teológico que já foi tão profético e revolucionário para a vivência da fé cristã na Igreja. Todo esse vigor profético ainda existe, falta-nos a coragem de Ester e de Judite para fazê-lo salvação do povo oprimido e ameaçado.

Breves considerações

As CEBs indiscutivelmente trouxeram novas narrativas para a Igreja. E é interessante quando nos dedicamos a refletir sobre elas e nas suas formas de se expressar. São gêneros literários destoantes da cultura celebrativa, litúrgica e doutrinária da Igreja ordenada. Embora tenha acontecido é verdade de muitos clérigos serem os protagonistas dessas expressões. Assim, as CEBs reinventaram a forma de celebrar, de cantar, de rezar e de viver a fé, por fim. Como um grande girassol que se abre num movimento de dentro para fora, mostrando a luz e o calor do sol ao seu interior. O cancioneiro popular deu voz, vez e alegria à Igreja povo de Deus que se encontra no capítulo nove da Lumen Gentium. Podemos dizer que uma nova teologia e uma nova espiritualidade, trouxeram nova vitalidade aos homens e mulheres que passavam a ver suas alegrias e suas esperanças, cantadas, rezadas e celebradas. E em grande parte sem precisar dizer e nem pedir para ninguém, as CEBs iniciaram um itinerário de maturidade de fé que fez o povo substituir a expressão, “eu sou da Igreja”, como um patrimônio, um bem que possui um dono que decide o que é melhor e diz o que é certo e o que é errado, pela expressão, “eu sou a Igreja”. Como Igreja nós somos ouvintes, amantes e seguidores e seguidoras da Palavra, não de uma ideologia, ou de uma doutrina ou de uma hierarquia elitizada. Novas práticas e novas atitudes, sobretudo com a alegria e o canto novo de esperança profética desveladas através do contato com a Palavra de Deus.

A Teologia da Libertação, precedida pela Espiritualidade da Libertação, fez o Mar se abrir. E hoje, aproximadamente meio século depois, o que cantam as CEBs? Qual é a Teologia das CEBs? De que Espiritualidade procede essa Teologia? A quem as CEBs ouvem? Para quem as CEBs falam? O que fazem as CEBs hoje que servirá de alimento para Igreja amanhã? As CEBs podem continuar discutindo temas como a ordenação clerical das mulheres; o fim do celibato ou a ordenação de homens casados; o monopólio do governo da Igreja por parte do clero. Tudo isso é importante, mas tudo isso pode acontecer sem que haja mudança na prática autoritária, centralizadora e autorreferenciada da Igreja. O diaconato é uma experiência que nos ensina isso. São dois os temas a meu ver que precisam ser tratados com urgência: o modelo clericalizado de Igreja, que se relaciona diretamente com o segundo, o lugar do laicato, como a esmagadora maioria batizada que tem três principais funções na Igreja: contribuir com o dízimo; sacudir as mãos e virar os olhos. Por fim, “A Igreja “em Saída” é uma Igreja de portas abertas” (EG, nº 46). Embora seja esta também uma expressão rica em significados e carente de interpretação, é bom lembrarmos que numa porta aberta todas as pessoas podem passar.

Referências Bibliográficas

- BERGER, Peter L. O Riso Redentor – A Dimensão Cômica da Experiência Humana. Petrópolis-RJ: Vozes, 2017.

- CNBB. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.  Documento 100 – Comunidade de Comunidades: uma nova paróquia. São Paulo: Paulinas, 2014.

- CNBB. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Cristão Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade – Sal da Terra e Luz do Mundo (cf. Mt 5,13-14). Brasília-DF: Edições CNBB, 2014.

- GALLAZZI, Sandro. ESTER – A mulher que enfrentou o palácio - Comentário Bíblico. São Leopoldo-RS: Sinodal/Vozes, 1987.

- GALLAZZI, Sandro; RIZZANTE, Ana Maria. JUDITE – A mão da mulher na história do povo – Comentário Bíblico. São Leopoldo-RS: Sinodal/Vozes, 2001.

- PAPA. Francisco. Exortação apostólica do Sumo Pontífice Evangelii Gaudium - A Alegria do Evangelho – sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus, 2ª ed. 2014.

- SANTIAGO, João Ferreira. Teologia Pastoral – A Arte do Seguimento e do Discipulado de Leigos e Leigas. São José dos Pinhais-PR: NVC – Talher Gráfica Editora, 2020.

- VATICANO II. Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja GAUDIUM ET SPES. São Paulo: Paulinas, 10ª ed. 1998.

Curitiba 21 de Julho de 2021 – quarta feira.

Professor João Ferreira Santiago
É mestre em teologia e especialista e assessoria bíblica.
É coordenador do curso de teologia da Faculdade Unina.
joã[email protected]
WhatsApp institucional (41) 99182-9849

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